O PODER E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO
MAGISTRADO, NA BUSCA PELA JUSTIÇA[1].
Alexandra de Oliveira
[2]
Resumo
O
presente trabalho abordará uma reflexão sobre o Poder e a Responsabilidade
Civil do Magistrado na busca pela Justiça. O
Estado, através do Poder
Judiciário, não apenas tem o dever de prestar
atividade jurisdicional, como também de fazê-lo com eficiência e celeridade. No entanto, a partir desta premissa, surge a
celeuma quanto à possibilidade do magistrado como agente do Estado responder civilmente
pelos danos causados às partes, cabendo a seguinte
indagação: O Estado ou o
magistrado pode ser responsabilizado civilmente
pelos danos causados a pessoas físicas e jurídicas?
Palavras-chaves: Poder – Magistrado -
Responsabilidade Civil – Estado - Justiça.
- Escopo
Histórico
A função de julgar é tão antiga como a própria
sociedade. Em todo o aglomerado humano, por mais primitivo que seja, o choque
de paixões e de interesses provocam desavenças que hão de ser dirimidas por
alguém, esse alguém será o juiz. [3]
Na família a forma rudimentar da coletividade,
juiz é o pai. No clã é o chefe, em cujas mãos se concentram, habitualmente
todos os poderes: é o rei, o general, o sacerdote do legislador, o juiz. [4]
Quando se
torna a grei [5] mais
numerosa, crescem e se complicam as relações humanas. O rei absorvido por
outras atividades, máxime as de guerra, não terá tempo de prover todos os
dissídios do seu povo, delegando tais funções a
um preposto. Destaca-se nesse momento, a entidade do juiz. Mero auxiliar do
monarca, em cujo nome e por delegação distribuir a Justiça, e assim continuará,
sob dependência dele, durante muitos séculos [6].
Atualmente, o juiz é a autoridade a quem compete,
no Estado, o encargo de administrar a justiça, e sua finalidade, é declarar o
direito [7]. No
entanto, o Juiz não somente declara, como ordena, na execução, ou no que for
necessário para tornar efetiva a Tutela Jurídica [8].
IHERING,
no seu conhecido livro A luta pelo Direito, põe em relevo o valor alegórico da
imagem da Justiça que a Mitologia nos legou:
A
justiça sustenta numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na
outra segura a espada que se serve para defender.. A espada sem a balança é a
força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito. Uma não pode
avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com
que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança.
[9]
Segundo
Ihering, o mesmo o sentimento de justiça mais vigoroso resiste por muito tempo
a um sistema jurídico defeituoso: acaba embotando, definhando, degenerando. É
que, a essência do direito está na ação. O que o ar puro representa para a
chama, a ação representa para o sentimento de justiça, que sufocará se a ação
for impedida ou constrangida [10].
1.2 O que é Justiça?
Derivado
do latim justus, como substantivo
possui o sentido de pugna, peleja , luta.
Como adjetivo, possui acepção de justo, também derivado de justus, com a significação do que convém, do que é legítimo, ou é
legal [11].
Segundo
Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, entende-se que a Justiça, é aquela
disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que
as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de modo análogo, a injustiça
é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é
injusto [12].
A idéia de justiça em Platão, define-se pela
vontade da lei, por isto representa a vontade do Estado. A lei criada pelo Estado,
ao definir justiça e ato injusto, busca a paz, e constitui o instrumento
normativo da Sociedade, onde todos, sem exceção estão obrigados, a cumpri-la. [13]
No
entendimento de Hans Kelsen:
O
conceito de justiça transforma-se de princípio que garante a felicidade individual de todos em ordem
social que protege determinados interesses, ou seja, aqueles que são
reconhecidos como dignos dessa proteção pela maioria dos subordinados a essa
ordem.[14]
A
palavra justiça em linguagem judiciária significa comumente, a conformidade com
o direito. Confunde-se nessa acepção, com legalidade. Decidir com Justiça será,
para o Juiz, decidir de acordo com o direito. O fim do direito é propiciar o
máximo de felicidade aos homens, assegurando-lhes a paz e a harmonia na vida
social. As leis hão de nortear-se para esse objetivo, ou seja, para a Justiça [15].
A
verdadeira Justiça Social será alcançada quando houver perfeita harmonia entre
os Poderes do Estado. A deficiência de um é o martírio do outro. Não se pode
almejar o Bem Comum apenas pelas decisões dos membros do Poder Judiciário. As
demais faces do poder estatal devem cumprir suas tarefas, senão de forma ainda
mais incisiva, para que possa, então, o Magistrado, ter total liberdade e
destemida vontade em promover a tutela jurisdicional que lhe cabe, sem prejuízo
nem ofensa à Justiça.[16]
Ou,
nas palavras do ilustre magistrado indiano, P. N. Bhaghawati, “nós precisamos de leis dinâmicas e não
estáticas, leis que tenham sua sustentação no passado, mas que olhem para o
futuro, leis que estejam prontas para avançar em serviço da humanidade. Nós
faríamos bem em lembrar as famosas palavras do jurista Cardozo: ‘O
recanto que protege o direito não é o fim da jornada. A lei, assim como o
viajante, deve estar preparada para o amanhã. ’” [17].
1.3 Os Poderes do Juiz.
O
artigo 5º, XXXV da Constituição Federal Brasileira de 1988 [18],
assegura que a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. A referida Carta
dispõe ainda sobre o sistema de freios e contrapesos, autêntica distribuição de
competências (administrativa, legislativa e judicial) a traduzir o efetivo
exercício do poder, cuja finalidade é garantir a independência e a harmonia
entre os Poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário).[19]
Costuma-se
entender que o poder dado aos juízes não encontra limites quando se trata de
impor obrigações à Administração Pública. Para compreender a matéria, é
necessário distinguir atos vinculados de atos discricionários. [20]
Já nas palavras de Costa Coelho, atos
vinculados, são aqueles para as quais a lei estabelece requisitos e condições
de realização. Estes atos o agente pratica reproduzindo os ditames que a lei
previamente estabeleceu. Vale dizer, o agente público não age com vontade,
porque se limita a reproduzir os termos da lei [21].
Por
sua vez, atos discricionários são os que a Administração pratica com certa
margem de liberdade de avaliação ou decisão, segundo critérios de conveniência
e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da
expedição daqueles atos [22].
No
entendimento de Nelson Juliano Schaefer Martins, os poderes exercidos pelo
administrador público são determinados pelo sistema jurídico. Não podem
ultrapassar os limites impostos pela lei, sob pena de ilegalidade. Por essa
razão, diz-se que o agente público só pode fazer o que a lei lhe determina, com
poderes delimitados pelo Direito sendo reforçados e confirmados por deveres e responsabilidades.[23]
Ainda nos textos de Nelson Schaefer Martins, o
juiz deve atentar para a perspectiva instrumentalista do processo que visa à
realização dos valores estabelecidos pela Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988 e que busca corresponder às exigências da sociedade [24].
Por
esta razão, cabe ao Magistrado proporcionar aos litigantes um processo justo,
mediante a adequada aplicação das regras de Direito material. No exercício de
seus poderes jurisdicionais, de direção e de desenvolvimento do processo,
incube ao juiz exercer o poder coercitivo para a prevenção e repressão dos atos
contrários a dignidade da Justiça.[25]
Assim
prescreve o preâmbulo da Constituição da Republica Federativa do Brasil de
1988:
O Estado Democrático
de Direito está comprometido com valores de uma sociedade fraterna pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacifica das controvérsias [26].
Chiovenda
assinala que certos poderes exercidos pelos juízes no processo civil não são
exclusivos da função jurisdicional, mas se revestem de caráter jurisdicional
diante do objetivo a que se coordenam qual seja a substituição das atividades
dos litigantes por uma atividade pública. [27]
Os poderes do juiz são pelo autor italiano
assim catalogados: a) poderes de decisão, através dos quais o juiz
afirma a existência ou inexistência de uma vontade concreta da lei, por força
de seu dever de se pronunciar quanto ao mérito e de decidir em relação as partes em conflito [28].
A sentença que se torne irrevogável produz os efeitos da coisa julgada formal e
da coisa julgada material[29].
O juiz, ao decidir e ao se pronunciar quanto ao mérito, não cria e nem modifica
a norma objetiva, mas a interpreta. Essa interpretação da lei pelo juiz não é
vinculante para todos, mas apenas para as partes em causa. b) poderes de
coerção ou poderes coercitivos do juiz que são aplicados explicitamente no
processo de execução, seu âmbito próprio, mas que são também observados no
processo de conhecimento. As disposições
legais, tanto na Itália quanto no Brasil, impõem ao juiz a obrigação de tentar
a conciliação das partes e esta tentativa deve ser buscada
logo no inicio do procedimento ou no curso do seu desenvolvimento. [30]
O
juiz no exercício de seus poderes jurisdicionais, seja na conciliação ou no
julgamento de mérito, atua como pacificador dos conflitos na vida social
brasileira e realiza verdadeira obra de engenharia social ao cumprir as
finalidades instrumentais e os escopos do processo e conferir efetividade à
jurisdição. [31]
Sob outro ponto de vista, Lacerda recomenda que
o juiz exercite seus "poderes
antiformalistas para assegurar a instrumentalidade do processo na realização da
justiça", pois ao lado do interesse público na preservação do rito
e do devido processo legal estão os valores e interesses materiais das pessoas
e da sociedade que não estão isolados no universo das abstrações, mas pertencem
à realidade. O processo não está vinculado a valores abstratos e nem autoriza a
prática de injustiças por conta dos formalismos. O processo é instrumento a
serviço da justiça humana e concreta e não simplesmente meio de preservação dos
ritos e das formas [32].
ROCHA
assinala que o juiz é o agente da jurisdição, mas o sujeito da relação
processual é o Estado. O juiz é a pessoa física a quem incube exercer a
atividade jurisdicional e nesta condição expressa e exprime a vontade estatal e
opera como se fosse o próprio Estado. [33]
No
desempenho da função jurisdicional o juiz exerce atividades dentro do processo,
como emanações de seus poderes decorrentes da parcela de soberania, que lhe é
atribuída por ser agente do Estado. Esses poderes, em razão de sua natureza,
são divididos em: a) poderes
administrativos e b) poderes jurisdicionais. - os poderes administrativos, segundo Rocha,
são exercitados i) no âmbito da chamada jurisdição voluntária e ii) na
manutenção da ordem nas audiências e nos demais atos processuais (poderes de
polícia). [34]
Para
Rocha, os poderes jurisdicionais são
aqueles que competem ao juiz, na condição de agente de Estado e de sujeito da
relação processual, no exercício da jurisdição. [35]
O
principal poder jurisdicional do juiz, segundo Souza, é o de “garantir a eficácia do direito no caso
concreto e, em ultima estância, tarefa que realiza mediante o exercício da
função jurisdicional”. O dever fundamental do Estado e, portanto do juiz no
exercício da função jurisdicional é o de garantir aos indivíduos e a sociedade
a prestação jurisdicional. (SOUZA; CARLOS AURÉLIO, 1996).
1.4
Poder Político Jurídico do Estado.
O
Estado compreendido como a “ordem
jurídica soberana” ou como a “ordem
jurídica centralizada no mais alto grau” detém o poder político-juridico na
mais elevada dimensão, de maneira que, nos seus limites territoriais, as
decisões são caracterizadas pela “inevitabilidade”, pois se impõem
independemente da vontade das partes [36].
Dallari
esclarece que o poder é um elemento essencial ou uma nota característica do
Estado [37] a partir dos seguintes pressupostos: I)
o Estado é uma sociedade e esta não pode existir sem um poder; II) dentre as
peculiaridades que qualificam o poder na sociedade estatal a mais importante é
a soberania; III) não há distinção nítida entre poder de império e soberania no
âmbito interno, enquanto que outros entendem como poder de império o que se
exerce sobre pessoas [38].
O
poder que apresenta com a aparência de poder político e que procura a eficácia
na realização de objetivos sociais, ainda em grau mínimo, revela sua natureza
jurídica, pois estará cumprindo alguma finalidade contida na Constituição, ou
nas leis [39] .
Por
outro lado, mesmo tendo sua legitimidade reconhecida pela ordem jurídica, o
poder continua a ser considerado político, pois sua finalidade é não jurídica,
desde que se entendam os valores da liberdade, da segurança, do bem comum, do
bem estar do desenvolvimento, da igualdade e da justiça como aspirações não
apenas da Constituição, mas como anseios da sociedade e do Estado e que se
situam acima de quaisquer valores, inclusive jurídicos. [40]
Neste
sentido, o Estado, concebido como ordem jurídica centralizada, para o exercício
do seu poder político, utiliza-se do Direito como ordem coativa, no sentido de
reagir contra as situações consideradas indesejáveis ou “socialmente
perniciosas”, com um ato de coação, “isto
é um mal – como a privação da vida, da saúde e da liberdade, de bens econômicos
e outros -, um mal que é aplicado ao destinatário mesmo contra a sua vontade,
se necessário empregando até a força física.” [41]
Para
Kelsen, o Estado por meio do Direito, para obter a conduta humana desejada,
aplica ato de coerção ou sanção estatuída pela ordem jurídica, como também
prevê recompensas para determinados serviços ou comportamentos [42].
1.5 Poderes Políticos Jurídicos dos Magistrados.
Para
Carlin, a legitimidade do poder político – jurídico dos juízes, como órgãos do
Estado, não decorre apenas da legalidade de suas decisões, mas vincula-se a
outras circunstancias. O juiz adquire sua legitimidade da Constituição e de
seus valores e leis, da qualidade do serviço que presta, de sua competência e
de sua postura ética [43].
De
acordo com Dallari, o juiz recebe do povo, através da Constituição, a
legitimação formal de suas decisões, que muitas vezes afetam de modo
extremamente grave a liberdade, a situação familiar, o patrimônio, a
convivência na sociedade e toda uma gama de interesses fundamentais de uma ou
de muitas pessoas.
Essa
legitimação deve ser permanentemente completada pelo povo, o que só ocorre
quando, segundo a convicção predominante, os juízes estão cumprindo seu papel
constitucional, protegendo eficazmente o direito e decidindo com justiça. Essa
legitimidade tem excepcional importância pelos efeitos políticos e sociais que
podem ter as decisões judiciais. [44]
No
Estado Moderno, os governos como Poder Executivo, também ficam sujeitos ao que
for decidido por Juízes e Tribunais, alem de
serem obrigados a fornecer meios para a execução das decisões. O que tornou
popular a expressão “decisão de juiz se
cumpre, não se discute” é o fato de que nos sistemas constitucionais
modernos, os Tribunais são independentes do Parlamento e do Executivo e as
decisões judiciais são ordens, não pareceres ou sugestões. [45]
Mas
o Juiz não decide nem ordena como indivíduo e sim na condição de agente
público, que tem uma parcela de poder discricionário, bem como de
responsabilidade e de poder de coação, para a consecução de certos objetivos
sociais. Daí vem sua força. Além de tudo, é o povo, de quem ele é delegado,
quem remunera o trabalho do Juiz, o que acentua sua condição de agente do povo[46].
O
poder político do Estado, qualificado de “supremo poder” por Bobbio, segundo o
qual os juízes são detentores de uma parcela, deve ter “uma justificação ética
(ou, o que é mesmo, fundamento jurídico)” e deve observar os princípios de
legitimidade, “isto é, dos vários modos como os quais se procurou dar, a quem
detém o poder, uma razão de comandar, e a quem suporta o poder, uma razão de
obedecer.” [47]
1.6 Responsabilidade
Civil
A
responsabilidade civil impõe ao agente a obrigação legal de tornar ileso, a
vítima do dano, e reparar o dano ou ressarcir o prejuízo causado por sua
conduta antijurídica. (MARTINS; JULIANO SCHAEFER,2004).
Hoje,
ao contrário do que lecionava a doutrina clássica, o dano a ser reparado não
será necessariamente da ordem patrimonial, ainda que, para fins de indenização,
possa ser expresso em valores monetários. (MARTINS; JULIANO SCHAEFER,2004).
Na
responsabilidade civil encontramos o regime menos estrito de todos, enquanto na
responsabilidade penal, e administrativa, via de regra somente se sanciona o
dolo, e excepcionalmente a culpa, para a responsabilidade civil bastava a
caracterização da culpa, sendo desnecessária a demonstração do dolo. (MARTINS;
JULIANO SCHAEFER,2004).
Partindo
de um sistema onde a regra era a responsabilidade subjetiva, a evolução levou à
ampla aceitação da idéia de responsabilidade objetiva para casos determinados a
partir da previsão casos específicos de presunção de culpa e de
responsabilidade sem culpa. (MARTINS; JULIANO SCHAEFER,2004).
Atualmente,
o nosso ordenamento jurídico adota um sistema que vem sendo chamado de dúplice,
com duas regras gerais: uma de responsabilidade subjetiva (CC, art. 186) e
outra de responsabilidade objetiva (art. 927, § único). (MARTINS; JULIANO
SCHAEFER,2004).
1.7 Responsabilidade Civil do Estado
A
responsabilidade do Estado, também chamada por alguns de responsabilidade da
Administração Pública, encontra-se entre os casos de responsabilidade objetiva
previstos em nossa legislação. Nem sempre, entretanto, foi assim. (MARTINS; JULIANO
SCHAEFER,2004).
Da
longa e lenta evolução até chegar-se ao estágio atual, nos reportaremos,
sinteticamente, à primeira fase desta evolução, até a fase mais aceita
atualmente pela doutrina brasileira. [48]
Aquela
é conhecida como a fase da irresponsabilidade do Estado, a qual vigorou no Estado
despótico e absolutista. A idéia de uma responsabilidade pecuniária da
Administração era considerada como um entrave perigoso à execução de seus
serviços. (MARTINS; JULIANO SCHAEFER,2004).
Os administrados tinham apenas ação contra o
próprio funcionário causador do dano, jamais contra o Estado, reforçando,
assim, a idéia de que o “rei nunca erra”. Destarte havia uma diferenciação
entre o sujeito do Estado e o seu funcionário. (MARTINS; JULIANO SCHAEFER,2004).
Ressalte-se que no Brasil,
essa fase não existiu. Sendo que mesmo à falta de disposição legal específica,
a tese da responsabilidade do Poder Público sempre foi aceita como princípio
geral e fundamental de Direito. No entanto, referida responsabilidade tinha
natureza subjetiva, dependendo da existência de prova da culpa do funcionário,
para que a responsabilização do Estado fosse acionada. (MARTINS; JULIANO
SCHAEFER,2004).
Hoje, no Brasil, com a adoção da teoria do
risco administrativo e o advento da Constituição de 1988 no seu art. 37, §6°, a
responsabilidade do Estado é objetiva. Este reafirma o dever do Estado de
ressarcir eventuais danos causados a terceiros, decorrentes da sua atividade
administrativa:
As pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa. [49]
De acordo com a teoria do risco
administrativo, ao Estado é atribuída a responsabilidade pelo risco criado pela
sua atividade administrativa. Assim, toda a lesão sofrida pelo particular deve
ser ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O
que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação
administrativa e o dano sofrido pelo administrado. [50]
Nesse
sentido dispõe a Jurisprudência:
A responsabilidade
civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é
objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas
outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da
C.F.” (RE 262.651, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 06/05/05). [51]
Essa
responsabilização, no entanto, se limita aos riscos da atividade administrativa
do Estado, excluindo a atividade de terceiros ou da própria vítima, ou mesmo
fenômenos da Natureza, estranhos à sua atividade. (MARTINS; JULIANO SCHAEFER,2004).
Também
é entendimento de Marçal Justen Filho, que o Estado Brasileiro atua sob o direito,
e por isso é responsável por suas ações e omissões, quando infringirem a ordem
jurídica de lesarem terceiros. A responsabilidade jurídica, tal como versado a
propósito dos agentes estatais, consiste no dever jurídico de vinculação aos
efeitos da conduta própria ou alheia e traduz, no tocante a estrutura
administrativa estatal, uma característica da democracia republicana. A
responsabilidade do Estado, numa acepção ampla, significa o dever de reconhecer
a supremacia da sociedade e a natureza do aparato estatal. [52]
1.8 Responsabilidade Civil do Magistrado.
A
possibilidade legal de responsabilização civil do Estado e dos titulares dos
seus órgãos, pelos danos que estes causem na prestação do serviço público é uma
garantia fundamental para os respectivos consumidores, e constitui um progresso
histórico na relação dos cidadãos com o poder, apenas possível em democracia.
(COELHO; PAULO MAGALHÃES,2004).
É
que só a responsabilidade, enquanto arma de combate ao livre arbítrio, assegura
a liberdade indispensável ao exercício da cidadania. (COELHO; PAULO MAGALHÃES,2004).
Durante
muito tempo entendeu-se que o ato do juiz é uma manifestação da soberania nacional. O
exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei e os eventuais
desacertos do juiz não
poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. No entanto,
soberania não quer dizer irresponsabilidade. A responsabilidade
estatal decorre do princípio da igualdade dos
encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez
que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do
serviço público. (COELHO; PAULO MAGALHÃES,2004).
Conforme
Paulo Magalhães, os argumentos de soberania não procedem. Com efeito, os
Poderes, conquanto independentes, não são soberanos, não exercem soberania
incontrastável, mas encontram limites nas competências constitucionais [53].
A
independência da magistratura também não é argumento que possa servir de base à
tese de irresponsabilidade estatal, porque a responsabilidade
seria do Estado e não atingiria a independência
funcional do magistrado. Igualmente, não constitui
obstáculo a imutabilidade da coisa julgada. (COELHO; PAULO MAGALHÃES,2004).
Segundo
João Bento Sé, a coisa julgada tem um valor relativo: "... se o que impede a reparação é a presunção de
verdade que emana da coisa julgada, a prerrogativa da Fazenda Pública não pode
ser absoluta, mas circunscrita à hipótese de decisão transitada em julgado. Logo , se o
ato não constitui coisa julgada, ou se esta é desfeita pela via processual
competente, a indenização é irrecusável [54].”
A
propósito, preleciona Yussef Said Cahali: “Como Poder autônomo e independente,
com estrutura administrativa própria e serviços definidos, o Judiciário, pelos
seus representantes e funcionários, tem a seu cargo a prática de atos
jurisdicionais e a prática de atos não-jurisdicionais, ou de caráter meramente
administrativo: quanto a estes últimos, os danos causados a terceiros pelos
servidores da máquina judiciária, sujeitam o Estado à responsabilidade
civil segundo a regra constitucional, no que
se aproximam dos atos administrativos, em seu conteúdo e na forma (Themistocles
Brandão Cavalcanti).” [55]
Ultimamente
tem-se debatido muito a questão da irresponsabilidade dos juízes, criando-se na
chamada opinião pública a idéia de que aqueles que julgam questões da vida e do
patrimônio dos cidadãos e que ninguém controla seus atos. (COELHO; PAULO
MAGALHÃES,2004).
Segundo
Cappelletti, “Os Juizes exercitam um poder. Onde há poder deve haver
responsabilidade: em uma sociedade organizada racionalmente, haverá uma relação
diretamente proporcional entre poder e responsabilidade. De conseqüência, o
problema da responsabilidade judicial torna-se mais ou menos importante,
conforme o maior ou menor poder dos juizes em questão”. Essa afirmação de John
H. Merrymann confirmada entre outros pelo relator francês do Congresso de
Caracas, o magistrado Roger Fabre, indica de modo incisivo a conexão entre duas
acepções de responsabilidade judiciária: a responsabilidade como poder-função e
a responsabilidade como dever de prestar contas (e eventuais sanções).[56]
Nesse
sentido, Marinoni, vincula o poder concedido ao juiz a sua responsabilidade
social, ao afirmar que: “Um juiz sem poder é um juiz sem responsabilidade
social ou, pelo menos, com responsabilidade social limitada.” E conclui que o
novo juiz, portanto, pode tomar consciência de sua maior responsabilidade
porque tem mais poder.[57]
Desta
afirmação, extrai-se a conclusão de que ao vincular os limites do poder do juiz
a um legalismo rígido, automaticamente poderá desvinculá-lo do compromisso pela
busca de justiça que anseia a sociedade sem poder lhe cobrar responsabilidade,
haja vista, suas decisões estarem em conformidade com a lei independentemente de
ela expressar respeito a um direito fundamental.
Desse
modo, quando o julgador quais são os princípios de direito fundamentais da
época em que vive a sociedade,transfere-se a ele dado a ele poderes para
decidir conforme cada caso concreto, estará também incumbido de uma maior
responsabilidade com os cidadãos, pois, “àquele
há quem muito foi dado, muito lhe será exigido e àquele há quem muito se
confia, muito mais lhe pedirão [58]”.
Não
se pode olvidar que o Poder
Judiciário presta serviço público de vital importância para a ordem social, e que o magistrado, enquanto agente
deste, tem dever de servir com eficiência aos jurisdicionados. Deve-se
pensar na sociedade como custeadora e consumidora do serviço
público da justiça, reconhecendo-se seu direito de
exigir uma prestação jurisdicional célere e
eficiente, para a garantia do
cumprimento do ordenamento jurídico e da pacificação social.
Conclusão
Conforme
pudemos esboçar nas linhas anteriores, a problemática do Poder e
Responsabilidade Civil do Magistrado na busca pela Justiça, desdobra-se em
inúmeras vertentes. Diante de que foi
explanado neste trabalho, é nosso dever enquanto estudantes, Advogados, Juízes,
Desembargadores, Ministros, Professores, e estudiosos do Direito em geral,
fazermos as reflexões necessárias de cada tema proposto e das argumentações de
cada corrente doutrinária sem deixarmos ser levados pelas paixões pró ou contra
o Estado.
Que
toda esta complexidade referente aos poderes dos juízes deverá estar sempre
direcionada à realidade social, econômica, política de determinada sociedade,
para que estes fatores sejam levados em consideração no momento da decisão do
juiz frente ao caso concreto, na busca da solução mais justa possível!
Como
matéria difícil que é, esperamos ter contribuído para o debate sem o anseio de
ter esgotado a matéria, mas sim, ofertado alguns tópicos para uma análise mais
apurada dos doutos.
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SOUZA,
Carlos Aurélio Mota de. Poderes Éticos do Juiz. Revista Ajuris.
Porto Alegre: Março de 1996
[1] Produzir Artigo Cientifico como
requisito para a obtenção de nota na disciplina Teoria Geral do Processo Ministrada
pela Prof. Msc. Samantha Stacciarini do Curso de Pós Graduação ‘Latu Sensu’ em Direito Processual Civil - Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI.
[2]
Pós Graduada no Curso de Pós Graduação em Direito Processual Civil na
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Email: alexandra.deoliveira@hotmail.com.br.
[3]
GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro:
Forense, 1958. p.19.
[4] GUIMARÃES,
Mário. O juiz e a função jurisdicional. p.19.
[5] Sociedade; partido. FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Miniaurélio Século
XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000. p. 354.
[6] GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de
Janeiro: Forense, 1958. p.19
[7] GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. p. 33.
[8] GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. p. 33
[9] IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 1.
[10] IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. p. 1.
[11] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 470.
[12] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 103.
[13] SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça, Virtude Moral & Razão.
Curitiba: Juruá, 2003. p.36.
[14] KELSEN Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da
ciência. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.4.
[15] GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de
Janeiro: Forense, 1958. p.35.
[16] GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. p.35.
[17] BHAGHWATI P. N. Democratização de soluções e acesso à Justiça. Porto Alegre, 2002. In: I Fórum Mundial de Juizes. Disponivel em: <http://www.ajuris.org.br/fmundialj/Preview/artigo36.html>
Acesso em: 23 fev. 2009.
[18] PINTO, Antonio Luiz de Toledo e outros. Vade Mecum. 7 ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
[19] COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 150.
[20] COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. p.
150.
[21] COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. p.
150.
[22] COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. p.150.
[23] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz no processo civil. São
Paulo: Dialética, 2004. p.169.
[24]
MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes
do juiz no processo civil. São Paulo: Dialética, 2004. p.169.
[25] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz no processo civil. p.169.
[26]
Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.
[27]
MARTINS, Schaefer Nelson Juliano. Poderes
do juiz no processo civil. p.169.
[28] Dispõe o artigo 269, do CP: Haverá
resolução de mérito: I - Quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do
autor; II – Quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III – Quando as
partes transigirem; IV – Quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
V – Quanto o autor renunciar ao direito sobre o que se funda a ação.
[29] Dispõe o artigo 467, do CPC: Denomina-se coisa
julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não
mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
[30] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz no processo civil. São
Paulo: Dialética, 2004. p.172.
[31] MARTINS, Schaefer Nelson Juliano. Poderes do juiz no processo civil. p.177.
[32] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz no processo civil. São
Paulo: Dialética, 2004.p.169.
[33] ROCHA apud MARTINS, Schaefer Nelson Juliano. Poderes do juiz no processo civil. p.169.
[34] MARTINS, Schaefer Nelson Juliano. Poderes do juiz no processo civil. p.178.
[35] MARTINS, Schaefer Nelson Juliano. Poderes do juiz no processo civil. p.178.
[36] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz no processo civil. São
Paulo: Dialética, 2004. p. 19.
[37] DALLARI, Dalmo.de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2
ed. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 96.
[38] DALLARI, Dalmo.de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. p.
96.
[39] DALLARI, Dalmo.de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. p.
96.
[40] DALLARI, Dalmo.de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2
ed. São Paulo: Saraiva, 1973. p.100.
[41] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do Juiz no Processo Civil. São
Paulo: Dialética, 2004. p.21.
[42] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do Juiz no Processo Civil. p.21.
[43] MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do Juiz no Processo Civil .p
50.
[44] DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juizes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 88 - 87.
[45] DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juizes. p. 87 - 88.
[46] DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. p. 88 - 87.
[47] MARTINS, Schaefer Nelson Juliano. Poderes do Juiz no Processo Civil. São
Paulo: Dialética, 2004. p. 51.
[48]. Revista Âmbito Jurídico:
Responsabilidade do Estado decorrente de atos judiciais. Disponivel em < http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/1516.pdf>.
Acesso em 20.fev.2009.
[49]. Texto extraído do site Âmbito
Jurídico, no dia 22.02.2009. Link para acessar a pagina. http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/1516.pdf.
.
[50]. Texto extraído do site Âmbito
Jurídico, no dia 22.02.2009. Link para acessar a pagina. http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/1516.pdf.
[51]
Responsabilidade
Civil do Estado: Disponivel em < http://groups.google.com.br/group/jurisprudencia-de-direito-publico/web/responsabilidade-civil-do-estado-urisprudencia-selecionada> Acesso em 29.fev.2009.
[52] FILHO, Marçal Justen. Curso de
Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 791.
[53] COELHO, PAULO Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2004.
[54] SÉ. João Sento.
Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais. Bushatsky, 1976, p.99-103.
[55] CAHALI, Yussef Said.
(Tratado de Dirito Administrativo, p.
439; e se aproveitando da distinção preconizada por Leon Duguit, “Traité de
Droit Constitucionnel”, 3, p.538) “(Responsabilidade civil, cit.,
p.219-20)”.
[56] CAPPELLETTI, Mauro. Juizes Irresponsáveis? Tradução de
Carlos Alberto A. de Oliveira.. Porto Alegre. Sergio Antonio Frabis Editora,
1989. p. 18.
[57] MARINONI. Luiz
Guilherme. A Tutela Antecipatória na
Reforma do CPC. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 183.
[58]. ALMEIDA. João Ferreira de. Bíblia Sagrada. 2 ed. Ed. Vida. 1998, p.1614. Livro de Lucas –
Capítulo 12, versículo 48.
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