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domingo, 2 de março de 2014

FICHAMENTO: ÉTICA PRÁTICA (PETER SINGER)

 

PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA– UNIVALI.

Fichamento destaques/referente de obra científica

1. Nome do autor do fichamento:

Alexandra Olliver

2. Obra/ artigo/ ensaio em fichamento:

SINGER, Peter. Ética prática. Tradução Jeferson Luiz Camargo. 3° Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2002.

3. Resumo da obra:

- Prefácio –

3.1 - A ética prática abrange um campo muito vasto. Se procurarmos bem, encontraremos ramificações éticas na maior parte de nossas escolhas. Este livro não tenta abranger o campo todo. Os problemas que aborda foram selecionados a partir de duas premissas: em primeiro lugar, a relevância; em segundo, até que ponto o raciocínio filosófico pode contribuir para a discussão desses problemas. [01].

3.2 – Algumas das questões discutidas nesse livro nos confrontam diariamente: quais são as nossas responsabilidades para com os pobres? Justifica-se que tratemos os animais como nada alem de maquinas que produzem carne para a nossa alimentação? Devemos continuar a usando papel reciclado? (...). [03].

3.3 – Até que ponto um problema pode ser proveitosamente discutido em termos filosóficos é algo que depende o tipo de problema que temos diante de nós. (...). [03].

3.4 - Desde a derrota de Hitler, na Alemanha não tem sido possível discutir abertamente a questão de que a vida humana pode ser tão miserável a ponto de não valer a pena ser vivida.

3.5 - A crença na superioridade humana é uma crença deveras fundamental e está na base do nosso pensamento em muitas áreas sensíveis. Desafiá-la não é uma questão trivial, e o fato de tal desafio provocar uma reação tão forte não nos deve surpreender.

3.6 - Desde a época de Platão, a filosofia vem avançando dialeticamente, a medida que os filósofos vão oferecendo motivos para discordarem das idéias de outros filósofos. A divergência é salutar, pois é o caminho para uma posição mais defensável; a sugestão mais defensável; a sugestão de que as idéias que apresentei nem devem ser discutidas já é coisa totalmente diferente – uma questão que, com prazer, deixo a apreciação dos leitores depois de terem lido e refletido sobre os capítulos que se seguem.

- CAPITULO 1 –

Sobre a Ética

3.7 - O tema deste livro é a ética pratica, ou seja, a aplicação da ética ou da moralidade (...) á abordagem de questões praticas, como o tratamento dispensado as minorias étnicas, a igualdade para as mulheres, o uso de animais em pesquisas e para a fabricação de alimentos, a preservação do meio ambiente, o aborto, a eutanásia e a obrigação que tem os ricos de ajudar os pobres. [10].

O que a ética não é

3.8 – Algumas pessoas pensam que a moralidade esta fora de moda. Vêem-na como um sistema de irritantes proibições puritanas cuja função básica seria de impedir que as pessoas se divirtam. Os moralistas tradicionais se colocam como defensores desse tipo de moralidade, nas, na verdade, o que fazem é defender um código especifico de moralidade. (...). [09/10].

3.9 - Portanto, a primeira coisa que a ética não pode, é ser definida como uma série de proibições ligadas ao sexo. Mesmo na era da AIDS, o sexo não coloca, absolutamente, nenhuma questão moral especifica. [10].

3.10 - A segunda coisa que a ética não é: um sistema ideal de grande nobreza na teoria, mas improveitavel na pratica. O conjunto dessa afirmação está mais próximo da verdade: um juízo ético não é bom na pratica deve ressentir-se também de um defeito teórico, pois a questão fundamental dos juízos éticos é orientar a pratica. [10].

3.11 - Às vezes, as pessoas acreditam que a ética é inaplicável ao mundo real, pois imaginam que a ética seja um sistema de normas simples e breves, do tipo “não minta”, “não roube” e “não mate”. Não surpreende que os que se atêm a esse modelo de ética também acreditem que ela não se ajusta as complexidades da vida. Em situações insólitas, as normas simples entram em conflito, e, mesmo quando isso não acontece, seguir uma norma pode terminar em desastre. Em situações normais, pode ser errado mentir, mas, se você vivesse na Alemanha nazista e a Gestapo se apresentasse a sua porta em busca de judeus, sem duvida o correto seria negar a existência da familia judia escondida no seu sótão. [11].

3.11 – A exemplo da falha de uma moral sexual restritiva, a falha de uma ética de normas simples não deve ser vista como uma falha da ética como um todo. Trata-se apenas da falha de uma concepção da ética, e nem chega a ser irremediável. Os que pensam que a ética é um sistema de normas – os deontologistas – podem salvar seu ponto de vista encontrando normas mais complexas e especificas que não sejam conflitantes, ou classificando as normas em alguma estrutura hierárquica que resolva os conflitos entre elas. [11].

3.12 – As conseqüências de uma ação variam de acordo com as circunstâncias nas quais ela é praticada. Portanto, um utilitarista nunca pode ser corretamente acusado de falta de realismo, nem de uma rígida adesão a ideais que desprezem a experiência prática. Para o utilitarista, mentir será mau em algumas circunstancias e bom em outras, dependendo das conseqüências que o ato acarretar.

3.13 - A terceira coisa que a ética não é: algo inteligível somente no contexto da religião. [11].

3.14 – Alguns teístas afirmam que a ética não pode prescindir da religião, porque o próprio significado de “bom” nada mais é que “aquilo que Deus aprova”. Platão refutou a afirmação semelhante há mais de dois milênios, argumentando que, se os deuses aprovam algumas ações, isso deve ocorrer pelo fato de tais ações serem boas, e que, portanto, não é pela aprovação dos deuses que se tornam boas. O ponto de vista alternativo torna a aprovação divina totalmente arbitraria: se, por acaso, os deuses tivessem aprovado a tortura e reprovado o auxilio ao próximo, a tortura seria boa e o auxilio ao próximo, mau. [12/13].

3.15 – Tradicionalmente, a mais importante ligação entre a religião e a ética estava no fato de se pensar que a religião oferecia uma razão para fazer o que é certo: os virtuosos serão recompensados com uma eternidade de boa-aventurança, ao passo que os demais vão queimar no inferno. Nem todos os pensadores religiosos pensaram assim: Imannuel Kant, um cristão dos mais devotos, zombava de tudo que lhe cheirasse a obediência ao código moral por interesse próprio. Devemos obedecer-lhe, dizia Kant, por seus próprios méritos. Não precisamos ser Kantianos para rejeitar as motivações oferecidas pela religião tradicional. Há uma longa linha de pensamento que vai buscar a origem da ética nas atitudes de benevolência e solidariedade para como os outros, uma qualidade que a maior parte das pessoas possui. [12].

3.16 - A quarta e ultima afirmação sobre a ética cuja veracidade pretende negar neste primeiro capitulo é aquela segundo a qual a ética é relativa ou subjetiva. [12].

3.17 - Tomemos a idéia tão difundida de que a ética é relativa á sociedade em que se vive. Isso é verdadeiro num sentido, e falso no outro. É certo que, como já vimos ao discutir o consequencialismo, as ações que são certas em uma situação, devido as suas boas conseqüências, podem ser erradas em outra situação, devido as suas conseqüências. (...). [12].

3.18 - (...). Assim, as relações sexuais fortuitas podem ser erradas quando levam ao nascimento de crianças das quais não se pode cuidar adequadamente, e não erradas quando, devido à existência de uma contracepção eficaz, não levam a reprodução alguma. Isso porem, não passa de uma forma superficial de relativismo. Se por um lado, sugere que um princípio específico como “sexo fortuito é errado” pode ser relativo ao tempo e lugar, nada diz contra o fato de tal principio ser objetivamente valido em certas circunstâncias especificas, ou contra a aplicabilidade universal de um principio mais geral, como, por exemplo, ”faça aquilo que aumente a felicidade e diminua o sofrimento”. [12/13].

3.19 - A forma mais fundamental de relativismo tornou-se popular no século XIX, quando começaram a surgir os dados sobre as crenças e as praticas morais de sociedades mais distantes. [13].

3.20 – Os marxistas adaptaram essa forma de relativismo a suas próprias teorias. As idéias dominantes de cada período, diziam, são aquelas das classes dominantes, portanto a moralidade de uma sociedade é relativa à classe econômica que a domina e, por esse motivo, é indiretamente relativa a sua base econômica . Assim, refutaram triunfalmente as pretensões da moralidade feudal e burguesa a uma validade objetiva e universal. Mas isso coloca um problema: se toda a moralidade é relativa, o que há de tão especial no comunismo? Por que tomar o partido de proletariado, e não o da burguesia? [13].

3.21 - Engels abordou esse problema da única maneira possível, abandonando o relativismo em favor da afirmação mais limitada de que a moralidade de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa á classe dominante, ainda que a moralidade de uma sociedade sem antagonismos de classe pudesse ser uma moralidade “realmente humana”. Isso já não tem nada de relativismo, mas, de um jeito meio confuso, é ainda o marxismo que oferece o impulso para uma serie de idéias relativistas muito pouco nítidas. [13].

3.22 - O problema que levou Engels a abandonar o relativismo também põe por terra o relativismo ético comum. Quem quer que já se tenha debruçado sobre uma questão ética difícil sabe muito bem que o fato de nos dizerem o que é que a sociedade acha que devemos fazer não ajuda a ninguém a se resolver por essa ou aquela solução. Precisamos tomar a nossa própria decisão. As crenças e os costumes dentro dos quais fomos criados podem exercer grande influência sobre nós, mas ao refletirmos sobre eles, podemos resolver agir de acordo com o que nos sugerem, mas também podemos fazer-lhes uma franca oposição. [14].

3.23 - O ponto de vista oposto – o de que a ética é sempre relativa a uma sociedade especifica – tem conseqüências ainda mais implausíveis. Se a nossa sociedade condena a escravidão, ao mesmo tempo em que outra sociedade a aprova, não temos nenhuma base a partir da qual escolher entre essas convicções antagônicas. Na verdade, não existe realmente conflito numa analise relativista – quando afirmo que a escravidão é errada, na verdade só estou dizendo que a minha sociedade condena a escravidão é correta, só estão dizendo que a sua sociedade aprova. [14].

3.24 - Se os que afirmam que a ética é subjetiva querem com isso dizer que, quando afirmo que a crueldade com os animais é errada, na verdade estou apenas dizendo que condeno a crueldade cm os animais, é com uma forma agravada de uma das dificuldades do relativismo que eles se deparam: a incapacidade de explicar a divergência ética. [15].

3.25 - As características do argumento ético que implicam a existência de padrões morais objetivos podem ser atenuadas pela afirmação de que se trata de um tipo de erro - talvez o legado da crença em que a ética é um sistema de leis dado por Deus, ou, talvez, apenas mais um exemplo de nossa tendência a objetivar as nossas necessidades e preferências pessoais. J.L. Mackie defendeu esse ponto de vista. [15].

3.26 - Desde que sejam cuidadosamente distinguidas da forma crua de subjetivismo que vê os juízos éticos como descrições das atitudes de quem fala, essas são representações plausíveis da ética. Em sua negação de uma esfera de fatos éticos que faz parte do mundo real, existindo com total independência de nós, não há duvida de que estão certas; mas será que daí se segue que os juízos éticos são imunes a critica, que não há nenhum papel a ser desempenhado pela razão ou pelo argumento na ética e que, do ponto de vista da razão, um juízo ético é tão bom quanto qualquer outro? Não creio que seja assim, e nenhum dos três filósofos mencionados no parágrafo anterior nega a razão e ao argumento um papel na ética, ainda que não estejam de acordo quanto a importância desse papel. [15/16].

3.27 - Essa questão do papel que a razão pode representar na ética é o ponto crucial colocado pela afirmação de que a ética é subjetiva. A inexistência de uma misteriosa esfera de fatos éticos objetivos não implica a inexistência do raciocínio ético. Pode até mesmo ajudar, uma vez que, se pudéssemos chegar aos juízos éticos somente através da intuição desses estranhos fatos éticos, o argumento ético tornar-se ainda mais difícil. Então o que se deve mostrar para colocar a ética prática em bases sólidas é o fato de que o raciocínio ético é possível. [16].

O que a ética é: uma concepção.

3.28 - O que vem a seguir é um esboço de uma concepção da etica que concede a razão um importante papel nas decisões éticas. Não se trata da única concepção possível da ética, mas é plausível. [17].

3.29 - O que significa emitir um juízo moral, discutir uma questão ética, ou viver de acordo com padrões éticos? De que modo os juízos morais diferem de outros juízos práticos? Porque achamos que, ao resolver abortar, uma mulher está tomando uma decisão que coloca uma questão ética, mas não pensamos o mesmo quando El resolve mudar de emprego? Qual é a diferença entre uma pessoa que vive segundo padrões éticos, e outra que não pauta a sua existência pelos mesmos padrões? [17].

3.30 – Poderíamos pensar que a maneira de proceder neste caso consiste em descobrir quem acredita ser errado mentir, trapacear, roubar, etc., e não faz nenhuma dessas coisas e quem assim, não crê, não pautando seus atos por tais restrições. Concluiríamos, portanto, que os membros do primeiro grupo estariam vivendo de acordo com padrões éticos e diríamos exatamente o contrario dos membros do segundo grupo. Equivocadamente porem, esse procedimento assimila duas distinções: [17].

3.31 – A primeira é a distinção entre viver de acordo com (o que julgamos ser) padrões éticos corretos e viver de acordo com o que julgamos ser) padrões éticos errôneos. [17].

3.32 – A segunda é a distinção entre viver de acordo com alguns padrões éticos e viver a margem de todo e qualquer padrão ético. Os que mentem e trapaceiam, mas não acreditam que é errado o que fazem, podem estar vivendo de acordo com padrões éticos. Podem acreditar, por alguma dentre inúmeras razões possíveis, que é correto mentir, trapacear, roubar, etc. Não estão vivendo de acordo com padrões éticos convencionais, mas podem estar vivendo de acordo com outros tipo de padrões éticos. [17].

3.33 - Essa primeira tentativa de estabelecer uma distinção entre o ético e o não ético foi equivocada, mas podemos aprender com os nossos equívocos. Vimos ser necessário admitir que os que sustentam crenças éticas não convencionais estão, ainda assim, vivendo de acordo com padrões éticos, se, por alguma razão acreditam que o seu modo de agir é correto. [18].

3.34 – A idéia de viver de acordo com padrões éticos está ligada a idéia de defender o modo como se vive, de dar-lhe uma razão de ser, de justificá-lo. Desse modo, as pessoas podem fazer todos os tipos de coisas que consideramos erradas, mas, ainda assim, estar vivendo de acordo com padrões éticos, desde que tenham condições de defender e justificar aquilo que fazem. [18].

3.35 – A condição em itálico nos dá uma pista para encontrarmos a resposta procurada. A idéia de viver de acordo com padrões éticos esta ligada a idéia de defender o modo como se vive, de dar-lhe uma razão de ser, de justificá-lo. Desse modo, as pessoas podem fazer todos os tipos de coisas que consideramos erradas, mas, ainda assim, estar vivendo de acordo com os padrões éticos, desde que tenham condições de defender ou justificar aquilo que fazem. [18].

3.36 - Quando por outro lado, as pessoas não conseguem rejeitar a sua alegação de estarem vivendo de acordo com padrões éticos, mesmo se aquilo que fazem estiver de acordo com princípios morais convencionais. [18].

3.25 – Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos com base no interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a noção de ética traz consigo a idéia de conduta em bases éticas, não posso mostrar apenas os benefícios que ela me traz. Devo reportar-me a um público maior. [18].

3.36 – Desde os tempos antigos, os filósofos e os moralistas vem expressando a idéia de que a conduta ética é aceitável de um ponto de vista que é, de certa forma universal. O “Preceito Áureo” atribuído a Moises, que se acha no Levítico e foi, subseqüentemente, repetido por Jesus, diz que devemos ir além dos nossos interesses pessoais e “amar os nossos semelhantes como amamos a nós mesmos” – em outras palavras, atribuir aos interesses alheios o mesmo peso que atribuímos aos nossos. [18/19].

3.37 – A mesma idéia de colocar-se no lugar do outro esta envolvida na outra formulação cristã o mandamento, aquela segundo a qual devemos fazer aos outros aquilo que gostaríamos eles nos fizessem. [19].

3.38 - Os estóicos afirmavam que a etica provem de uma lei natural universal. Kant desenvolveu essa idéia na sua celebre formula: “Aja somente segundo a máxima através da qual você possa, ao mesmo tempo, desejar que ela se transforme numa lei universal.” A teoria de Kant foi modificada e desenvolvida por R.M. Hare, que vê a “universabilidade” como uma característica lógica dos juízos morais. [19].

3.39 - John Rawls, um dos principais críticos contemporâneos do utilitarismo, incorpora essencialmente o mesmo axioma a sua própria teoria, ao deduzir princípios éticos básicos de uma escolha imaginaria na qual os que escolhem não sabem se vão ganhar ou perder com os princípios que selecionam. Até mesmo filósofos como o existencialista Jean Paul Sartre e o teórico critico Jurgëm Habermas, que, sob muitos aspectos, diferem de seus colegas ingleses – e também entre si -, concordam que, num certo sentido, a etica é universal. [19].

3.40 - Poderíamos argumentar interminavelmente sobre os méritos de cada uma dessas caracterizações do ético, mas o que elas têm em comum, é mais importante do que as suas diferenças. Todas concordam que a justificação de um principio ético não se pode dar em termos de qualquer grupo parcial ou local. A etica se fundamenta num ponto de vista universal, o que não significa que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável. [19].

3.41 - As circunstancias alteram as causas. Significa, que ao emitirmos juízos éticos, extrapolamos as nossas preferências e aversões. De um ponto de vista ético, é irrelevante o fato de que sou eu o beneficiário de, digamos,uma distribuição mais equitativa da renda, e você o que perde com ela. [19/20].

3.42 - A ética exige que extrapolemos o “eu” e o “você” e cheguemos a lei universal, ao juízo universalizável, ao ponto de vista do espectador imparcial, ao observador ideal, ou qualquer outro nome que lhe dermos. [20].

3.43 – Podemos usar esse aspecto universal da ética para dele deduzir uma teoria ética que nos oriente sobre o que é certo e o que é errado? Dos estóicos a Hare e Ralws, o filósofo não tem tentado outra coisa, e nenhuma tentativa obteve aceitação geral. O problema é que, se descrevermos o aspecto universal da ética em termos simples e formais, uma vasta gama de teorias éticas, inclusive algumas que são totalmente irreconciliáveis, tornam-se compatíveis com essa noção de universalidade; se, por outro lado, elaborarmos a nossa descrição do aspecto universal da ética de tal modo que ela nos leve, inevitavelmente, a uma teoria ética particular, seremos acusados de introduzir as nossas próprias convicções éticas, em nossa definição de ético – e essa definição era supostamente ampla e neutra o suficiente para abranger todos os sérios candidatos ao status de “teoria ética”. [20].

3.44 – Sugiro que o aspecto universal da ética oferece, de fato, uma razão convincente, ainda que não conclusiva, para que se possa assumir uma posição francamente utilitária. [20].

3.45 – Apresento, a seguir, as razoes que me levam a fazer tal sugestão. Ao admitir que os juízos éticos devem ser formados a partir de um ponto de vista universal, estou aceitando que os meus próprios interesses, simplesmente por serem meus interesses de uma outra pessoa. Assim, a minha preocupação natural de que meus interesses sejam levados em conta deve – quando penso eticamente – ser estendida aos interesses dos outros. Ora, imagine-se que eu esteja tentando decidir entre duas condutas possíveis – digamos, se devo comer sozinho todas as frutas que colhi, ou compartilhá-las com os outros. [20/21].

3.46 – De fato, se decidirmos “interesses” de forma suficientemente ampla, de tal modo que contemos tudo o que as pessoas desejam como fazendo parte dos seus interesses (a menos que seja incompatível com outro desejo, ou outros desejos), então pareceria que, nesse estagio pré-etico, somente os próprios interesses de alguém podem ser relevantes para a decisão. [21].

3.47 – Imagine-se agora, que começo a pensar eticamente, a ponto de admitir que os meus próprios interesses não podem contar mais que os interesses alheios pelo simples fato de serem os meus interesses. No lugar deles, agora tenho de levar em conta os interesses de todos os que serão afetados pela minha decisão. Isso exige que eu reflita sobre todos esses interesses e adote o curso de ação mais apto a maximizar os interesses das pessoas afetadas. [21].

3.48 – Portanto, pelo menos em algum nível de meu raciocínio moral devo escolher o curso de ação que tem as melhores conseqüências para todos os afetados, e fazê-lo depois de examinar todas as alternativas possíveis. (digo “em algum nível de meu raciocínio moral” porque, existem razões utilitárias para se acreditar que não devemos tentar calcular essas conseqüências para cada decisão ética que tomamos no nosso cotidiano, mas somente em circunstâncias muito incomuns, ou talvez, quando refletindo sobre a escolha de princípios gerais que nos sirvam de guia no futuro. [21].

3.49 - O modo de pensar que esbocei é uma forma de utilitarismo. Difere do utilitarismo clássico pelo fato de “melhores conseqüências” ser compreendido como o significado de algo que, examinadas todas as alternativas, favorece os interesses dos que são afetados, e não como algo que simplesmente aumenta o prazer e diminui o sofrimento. ( Já se sugeriu que os utilitaristas clássicos, como Benthan e John Stuart Mill, usavam “prazer” e “sofrimento” num sentido amplo, que lhes permitia incluir a conquista daquilo que se deseja como um “prazer”, e o contrario como “sofrimento”. Se essa interpretação é correta, a diferença entre o utilitarismo clássico e o utilitarismo baseado em interesses deixa de existir). [22].

3.50 - O que isso mostra? Não mostra que o utilitarismo pode ser inferido do aspecto universal da etica: existem outros ideais éticos - como os direitos individuais, o caráter sagrado da vida, a justiça, a pureza, etc. – que são universais no devido sentido e, pelo menos em algumas versões, incompatíveis com o utilitarismo. [22].

3.51 - Mostra que chegamos, com grande rapidez, a uma postura inicialmente utilitária tão logo aplicamos o aspecto universal da etica a uma tomada de decisões simples e pré-ética. Isso, acredito, faz incidir o ônus da prova sobre aqueles que procuram extrapolar o utilitarismo. A postura utilitária é uma posição mínima, uma base inicial à qual chegamos ao universalizar a tomada de decisões com base no interesse próprio. Se pretendermos pensar eticamente, não podemos nos recusar a dar esse passo. Se vamos nos deixar convencer de que devemos extrapolar o utilitarismo e aceitar princípios ou ideais morais, precisamos dispor de boas razões para dar mais esse passo. Até que tais razões sejam aduzidas, temos alguns motivos para continuar utilitaristas. [22].

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No capitulo 1 – que trata sobre a etica, Singer analisa detalhadamente por que e como os interesses dos seres devem ser avaliados. Afirma ainda, que os interesses de um ser devem sempre ser avaliados de acordo com as propriedades concretas desse ser e não de acordo com o facto de ele pertencer a um grupo abstracto.

 

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