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domingo, 2 de março de 2014

FICHAMENTO: ÉTICA (MARIA DE LURDES BORGES)

 

A FICHA RESUMO / ANALÍTICA DE OBRA CIENTÍFICA

1. NOME COMPLETO DO AUTOR DO FICHAMENTO:

Alexandra Olliver

2. OBRA EM FICHAMENTO:

BORGES, Maria de Lourdes. Ética. DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2002.

3. ESPECIFICAÇÃO DO REFERENTE UTILIZADO:

Fazer Ficha de leitura modelo Ficha resumo/analítica de obra científica da seguinte obra: BORGES, Maria de Lourdes. Ética. DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2002.

4. RESUMO DO LIVRO

CAPITULO I

O QUE É ÉTICA?

O que é ética?

Pode-se dizer que a ética é a disciplina que procura responder as seguintes questões: como e porque julgamos que uma ação é moralmente errada ou correta? E que critérios devem orientar esse julgamento? (p.07).

O procedimento de determinação da ação correta varia conforme a escola filosófica. Bem como de acordo com a razão pela qual se adota esse. O estudo das várias correntes de determinação da ação correta é o que chamamos de ética normativa. (p. 07).

Divisões da ética.

A ética divide-se em três campos principais de estudo: metaética, ética normativa e ética aplicada. A ética normativa pretende responder a perguntas como “o que devemos fazer?”, ou de forma mais ampla, “qual a melhor forma de viver bem?”. As respostas a essas questões recorrem ou a determinação da ação ou regra correta, ou a determinação mais ampla de um caráter moral. (p. 07).

Ética normativa e suas divisões.

Podemos dividir as correntes da ética normativa em duas categorias: a ética teleológica e a ética deontológica. A primeira determina o que é correto de acordo com uma certa finalidade (telós) que se pretende atingir. Suas duas subdivisões principais são: a ética consequencialista, que se baseia nas conseqüências da ação, e a ética das virtudes, que considera o caráter moral ou virtuoso do individuo. (p. 08).

A ética deontológica procura determinar o que é correto, não segundo uma finalidade a ser atingida, mas segundo as regras e as normas em que se fundamenta a ação. Uma das correntes mais importantes da ética deontológica é a ética kantiana ou ética do dever. (p.08).

Éticas teleológicas

a) Éticas consequencialista.

As duas correntes principais do consequencialismo são o egoísmo ético e o utilitarismo. Ambas defendem que os seres humanos devem agir de forma tal que produzam boas conseqüências. A diferença é que para o egoísmo ético o fundamental é que o ser humano deve agir em seu próprio beneficio, ao passo que de acordo com o utilitarismo o ser humano deve agir em função do interesse de todos. (p.09).

A principal vantagem do egoísmo ético é a facilidade de determinar o próprio interesse, comparada com a dificuldade de determinar o que seria do interesse de todos, ou o que traria maior benefício a todos. (p.09).

O utilitarismo assinala que cada indivíduo deve agir de forma a proporcionar o maior bem ou a maior felicidade para todos que o cercam. Divide-se em utilitarismo de ação, cada individuo deve analisar a situação particular na qual se encontra e descobrir qual a ação que trará maior beneficio para todos os envolvidos. (p.10).

O utilitarismo de regra estabelece que devemos agir segundo regras que determinem o maior bem ou a maior felicidade para todos a que diz respeito nossa ação. A possibilidade de se arrolarem regras gerais provem da crença em que os indivíduos, seus motivos, características e valores não divergem tanto entre si que seja impróprio estabelecer normas com validade para todas as situações. (p.10).

Segundo o utilitarismo de regra, poderíamos formular certos preceitos como: “não matar, exceto em caso de autodefesa”, visto que uma regra desse gênero acarretaria mais bem do mal a sociedade, uma vez que poderia coibir que as pessoas tirassem a vida umas das outras conforme o seu próprio interesse ou, por considerar que a morte de alguém produziria um beneficio geral, o que decerto perpetraria um perigoso antecedente. (p.10).

b) Ética de virtudes.

Nas éticas de virtudes, segundo as quais é definida como “excelência moral ou retidão”, a ênfase incide sobre o caráter virtuoso ou bom dos serem humanos, e não primeiramente sobre os seus atos e sentimentos, ou sobre suas regras e conseqüências. (p.10/11).

Pode-se dizer que o marco inicial da ética de virtudes é a doutrina moral que Aristóteles desenvolve na obra Ética a Nicômaco. A questão central da teoria aristotélica das virtudes alude ao que nós queremos em nossa vida, indagando qual a finalidade das nossas ações. A justificativa para as nossas ações é a busca da felicidade (eudaimonia). (p.11).

Essa felicidade que fala Aristóteles não consiste em uma alegria momentânea nem em uma euforia efêmera, mas sim em um estado duradouro de satisfação. Aristóteles afirma que é preciso desconsiderar motivos pessoais e subjetivos para alcançar a felicidade, pois o homem é feliz apenas quando realiza bem sua função (ergon) própria, a sua razão. (p.11).

Assim, o bem supremo constitui condição de bem estar duradoura, conquistada pela realização da racionalidade humana, que é a finalidade da vida virtuosa. Apenas o desenvolvimento da capacidade racional do ser humano poderá proporcionar-lhe uma vida plena. Esse desenvolvimento só é possível pela virtude, que é a excelência moral do ser humano. (p.11).

O objetivo da ética seria, segundo MacIntyre, a criação de homens virtuosos, cujos sentimentos e inclinações fossem cultivados moralmente. (p.11).

Ética deontológica.

Segundo a ética deontológica – também chamada não consequencialista – a análise das conseqüências de um ato ou comportamento não deve influir no julgamento moral sobre as ações ou as pessoas. O que é moral ou imoral decide-se com respeito a outros padrões que não sejam as conseqüências da ação. (p.11).

O intuicismo moral fundamenta-se nas crença de que as pessoas são dotadas de um conhecimento imediato quanto ao que é correto ou não, e que as teorias filosóficas elaboradas para explicar o senso comum moral só são aceitas quando propõem justificar como correto aquilo que já o sabíamos ser intuitivamente. (p.12).

A ética do dever, iniciada por Kant, pretende descriminar as regras do que é certo ou é errado moralmente, utilizando uma noção chamada imperativo categórico, segundo a qual a ação é moral se a regra da ação puder ser tomada como regra universal, ou seja,se puder ser observada e seguida por todos os seres humanos, sem contradição. (p.12).

Contudo, para que uma ação seja moral, não basta apenas conformar-se á máxima eterna: é preciso que o móbil da ação seja o respeito pela lei moral, e que não derive de sentimentos egoístas, visando ao proveito próprio. (p.12).

CAPITULO II

ÉTICA KANTIANA

É moralmente correta a ação que está de acordo com determinadas regras do que é certo, independentemente da felicidade resultante a um ou a todos. (p.15).

Essa regra de averiguação é chamada imperativo categórico; todavia, não basta a indispensável que a ação tenha como móbil o respeito a lei, e não se sujeite a interesses egoístas ou a motivações empíricas. A ação não deve ser realizada apenas conforme o dever, mas também por dever. (p.15).

Paul Guyer, comentador de Kant, assinala a estratégia da fundamentação como um plano de autoconhecimento das nossas distinções morais. De acordo com Guyer, o alvo principal das primeiras seções da obra de Kant seria o utilitarismo, segundo o qual a fonte da motivação moral é a felicidade. (p.16).

Essa estratégia de autoconhecimento seria levada a efeito ainda na primeira seção da fundamentação, em que Kant defende que uma genuína – mesmo que não total – compreensão do principio fundamental da moralidade reflete-se na nossa compreensão comum de boa vontade e dever, e nos juízos morais que fazemos sobre casos particulares da ação humana.[1] (p. 16).

O que Kant pretende demonstrar é que as distinções do valor moral, consideradas como distinções de móbeis morais, não são invenções filosóficas, nem tampouco noções contra-intuitivas, mas que as admite como verdadeiras o próprio senso moral comum. (p.16).

Segundo a moral kantiana, para sabermos se uma ação é ou não correta, devemos indagar se podemos querer que essa ação seja elevada á categoria de lei universal: contudo para saber, de modo mais curto e infalível, a forma de resolver esse problema, qual seja, o ver se uma promessa mentirosa conforma-se com o dever, devo perguntar a mim mesmo se estaria eu satisfeito de ver minha máxima – livrar-se das dificuldades por uma falsa promessa – valer como lei universal para mim como para os outros, e se poderia ainda dizer a mim mesmo que todos devem fazer uma falsa promessa quando se encontram em dificuldade. [2](p.16/17).

O apelo ao senso moral comum e a forma do imperativo que o permeia é expresso nas palavras de Kant: Então aqui chegamos, ao âmago do conhecimento moral da razão humana comum, ao seu principio, no qual assumidamente a razão não pensa de maneira tão abstrata na sua forma universal, embora o tenha realmente sempre diante de si, aplicando-o como norma de seus julgamentos. [3](p.17).

Ora, a fim de provar que o fundamento do valor e das distinções morais reside no imperativo categórico, Kant parece lançar mão do mesmo método utilizado por seus adversários empiristas, que costumam apelar ás distinções morais comuns para provar que o principio da utilidade é a fonte do valor moral. (p.18).

A utilidade não é o critério que as pessoas comumente adotam para distinguir a ação moral da ação não moral, pois a rigor o motivo da ação é considerada ordinariamente, tão mais moral quanto mais desligado de motivações sensíveis ou considerações de utilidade. (p.18).

Formulações do imperativo categórico.

Na fundamentação da metafísica dos costumes são apresentadas varias formas e formulas do imperativo categórico. (...); trata-se do procedimento para determinar-se uma máxima deve ser desejada pelo agente como válida não somente para sua vontade, mas para a vontade de todo ser racional. (p.18).

Essa formulação foi obtida a partir do conhecimento moral comum. Ainda que não usemos essa formula a todo instante para julgar o que é correto, reconhecemo-la subjacente a nossa concepção comum de moralidade. (p.18).

Deveres da virtude.

Uma critica frequentemente endereçada a moral kantiana acusa-a de se tratar de uma moral mínima, que estipula deveres gerais e preconiza mais o que não se deve fazer do que recomenda a pratica de ações propriamente virtuosas. (p.24).

Ao contrario da ética de virtudes, a ética kantiana não concederia nenhuma orientação verdadeira,não nos indicaria nenhum rumo sobre a qual seria a vida digna de se viver. Aparentemente, a moral kantiana recomendaria qualquer modo de vida que não fosse contrario a suas proibições. (p.24).

Poderíamos objetar a MacIntyre que uma moral mais econômica teria maior possibilidade de se tornar universal e atemporal. Abdicando de uma receita completa de moralidade, estaríamos menos comprometidos com formas particulares e típicas de sociabilidade, cujos valores podem não se estender a qualquer tempo ou a qualquer cultura, que não o da época e a do território em que a ética é formulada. Contudo tendemos a reconhecer a existência de certos atos que estão alem do dever, mas que possuem valor moral. (p.24).

CAPITULO III

O UTILITARISMO

Uma das maneiras mais fáceis de entender o utilitarismo é enunciar de forma direta o seu principio fundamental. Podemos adotar, aqui, a formulação feita por um de seus mais importantes defensores, John Stuart Mill (1806-1873).

A convicção que aceita a utilidade ou o principio da maior felicidade como o fundamento da moral admite que as ações são corretas na proporção em que promovem a felicidade, e erradas na medida em que produzem o contrario da felicidade.

O utilitarismo afirma que a felicidade é o maior bem que podemos alcançar e que as ações são corretas ou não na medida em que constituem meios adequados para atingir esse fim. Por isso o utilitarismo é uma ética teleológica, isto é, uma ética que visa a finalidade. A suposição básica dessa ética define a moralidade de um ato pela felicidade que dele advém. (p.33).

Historia do utilitarismo.

Há vários tipos de utilitarismo. A versão mais popular pode ser descrita como “utilitarismo hedonista”, pois apregoa que o maior prazer possível corresponde a própria felicidade. Essa teoria aproxima-se sobremodo do epicurismo, e foram Benthan e seus seguidores que mais o defenderam. (p.34).

De forma mais ampla, o principio da utilidade serve para testar a legitimidade das normas positivas, das funções governamentais, das instituições públicas etc. (p.34).

Uma das contribuições fundamentais do utilitarismo eudamonista é ter reconhecido que as virtudes morais não podem dissociar-se de uma vida feliz. Mill afirmou que “ o utilitarismo somente pode atingir os seus fins pelo cultivo geral da nobreza de caráter”. Assim, virtudes como a coragem, o autocontrole e a justiça passam a constituir uma vida feliz. (p.35).

A rigor, Mill concedia em que as virtudes tem valor em si mesmas, mas as reputava desejáveis porque contribuem para a felicidade de todos os que são afetados pela conduta virtuosa. (p.35).

Outra contribuição significativa de Mill ao utilitarismo está na sua tentativa de mostrar que o principio da utilidade ou maior felicidade coaduna-se com o direito e com justiça. (p.36).

O fim ultimo, chamado de ideal, é o conjunto de valores intrínsecos, acolhe em sua definição a idéia de que o prazer seja algo bom em si mesmo, mas adverte que o prazer pode ser positivamente mau, dependendo do contexto em que se manifesta. (p.37).

O conhecimento, a contemplação estética, as virtudes morais da coragem e da sabedoria também se enquadram nessa categ oria. O utilitarismo ideal defendendo os valores da arte e do amor influenciou uma geração inteira de eminentes intelectuais, como a escritora Virginia Woolf e o economista John Mayard Keynes. Dessa pluralidade de valores intrínsecos, Moore elegeu a amizade e a contemplação estética como as melhores possíveis. (p.37).

A utilidade e a justiça

Um dos problemas sempre presentes no utilitarismo é a aparente incompatibilidade entre a idéia de justiça e a idéia de utilidade. (p.45).

Os antiutilaristas argumentam que a justiça é totalmente independente da utilidade, que constitui um gênero a parte. A justiça estaria calcada em princípios imutáveis e auto-evidentes, ao passo que as opiniões sobre o que é felicidade ou o que é útil para a sociedade sujeitam-se a variar de pessoa a pessoa e de época a época. (p.45).

A justiça prescreve deveres cujo cumprimento efetivamente se exige, mesmo que disso não decorra a elevação máxima da felicidade. Como ensina o velho ditado latino: “Fiat justitia, ruat caelum” (faça-se justiça, ainda que os céus desabem). (p.45).

Antes de afirmar a compatibilidade entre justiça e utilidade, cumpre investigar o sentido que se atribui ao que é justo ou injusto. (p.45).

A primeira noção que a idéia de justiça evoca é a da legalidade. Mill assinala a atenção para a origem etimológica de “justo”, que significa conformidade com a lei, como se pode perceber em quase todas as línguas. (...). Por conseguinte, é justo respeitar e injusto violar os direitos legais de qualquer um. Esses direitos não são absolutos. (p.45).

A medida da legitimidade do direito legal é a própria moralidade e, segundo os utilitaristas, o principio da maior felicidade. Portanto, a legalidade participa da idéia de justiça apenas quando a lei é legitima, isto é, moralmente justificável. (p.46).

Chegamos assim ao segundo elemento da idéia de justiça: a noção de direito moral. Definir o que é ter um direito não é fácil e tampouco o é determinar o que significa ter um direito moral. Mill afirma que “ter um direito é ter algo cuja fruição a sociedade deve defender” (p.46).

Outro elemento da idéia do que é justo é a noção de mérito, que pode ser encontrada na análise de Aristóteles (1954) tece sobre os elementos e acepções da justiça: a distribuição de honras num estado é justa se for igual, e se todos merecem a mesma porção de um determinado bem. A distribuição não será justa, portanto, se não for feita segundo o mérito de cada um. (p.46).

Outro elemento da idéia de justiça é a imparcialidade. Devemos julgar todas as pessoas da mesma forma, sem dar preferência a essa ou aquela por algum arbítrio subjetivo. (...). Contudo,quando os direitos estão em jogo, então a imparcialidade é imperativa. Um tribunal precisa ser imparcial, pois deve julgar a razão de um litígio, sem beneficiar deliberadamente uma parte em detrimento da outra. Segundo Mill, a idéia de imparcialidade pressupõe a noção de igualdade. (p.48).

Algumas pessoas, alias, pensam que a igualdade constitui a própria essência da justiça. Mill, entretanto argumenta, com alguma razão que a idéia de igualdade é ambígua, de vez que pode ser defendida mesmo por aqueles que aceitam a manifestações gritantes da desigualdade. (p. 48).

A igualdade perante a lei, por conseguinte, é uma noção puramente formal. (p.48).

Por conseguinte, visto que o principio utilitarista é a base da moralidade, também devemos considerá-lo principio fundamental das obrigações perfeitas, isto é da justiça. Isso quer dizer que a justiça está a serviço dos interesses coletivos da sociedade. (p.48).

Quando Kant propõe como principio fundamental da moralidade a assertiva “age de maneira tal que a tua regra de conduta possa ser adotada como uma lei por todos os seres racionais”, ele virtualmente admite que o interesse coletivo da humanidade, ou ao menos da humanidade indiscriminadamente, pode estar na mente do agente que decide conscientemente sobre a moralidade de um ato. Se não for isso o que Kant pretende afirmar, então suas palavras não fazem sentido, pois sequer é possível defender plausivelmente a noção de que uma regra do mais extremo egoísmo não venha a ser, possivelmente, adotada por todos os seres racionais, isto é que um obstáculo insuperável na natureza das coisas interpõe-se a sua adoção. Para ter significado, o sentido em que se baseia o principio de Kant teria de ser tal que indicasse que devemos adaptar nossa conduta a uma regra que todos os seres racionais possam adotar com beneficio dos seus interesses coletivos. (p.48/49).

A base da tese de Mill é que o interesse coletivo é o único capaz de justificar a adoção de certas regras morais universais. (p.49).

A justiça é, assim, apenas o nome que se confere ao conjunto de certas regras essenciais ao bem estar humano. O fundamento da lei não pode ser outro senão o interesse coletivo, isto é, o principio da maior felicidade. Em resumo, a justificação da justiça é a sua utilidade social. (p.49).

CAPITULO VII

DA FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O discurso dos direitos naturais e, depois dos direitos humanos sempre teve como objetivo estabelecer um valor de justificação das ordens normativas para além da própria positividade dos ordenamentos jurídicos (Habermas, 1997, v.1, p.128), já que a existência desses ordenamentos presume a legitimidade. Esse pensamento tem como uma de suas fontes primordiais o estoicismo. (p.121).

O estóico Zenão de Cício, estabeleceu o seguinte principio: “A lei natural é uma lei divina e tem como tal o poder de regular o que justo ou injusto”. [4] (p. 121).

Na idade média, esse princípio da lei natural repercute no pensamento de São Tomás de Aquino (1225-1274), mas é durante a idade moderna que essa formulação alcança o seu esplendor. (p.121).

Os autores do contratualismo, como Hobbes (1588-1679) e principalmente Locke (1632-1709), também contribuíram para o desenvolvimento dessa idéia. (p.121).

Juntamente com a sua teorização, muito importante também foi incorporação dos direitos humanos aos ordenamentos jurídicos. O primeiro passo nessa direção foi dado pela Carta Magna, de 1215, na Inglaterra, por efeito da qual o rei João Sem Terra, obrigou-se a aceitar uma série de direitos processuais (due process), garantindo, por esse meio, liberdades básicas, como o direito de ir e vir e o direito de propriedade. (p.121).

São marcos principais no movimento constitucionalista a Constituição americana de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que foi corolário da Revolução Francesa do século XX, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, constante de trinta artigos. (p.122).

A modernidade cunha o conceito de direitos humanos como um dos pilares sobre os quais sustenta o discurso da legitimidade, amparado ainda no principio da soberania do povo. (...). De fato a modernidade distingue aquilo que Aristóteles mantivera coeso dentro do termo ética, isto é, a auto-realização e autodeterminação (Tugendhat, 1986). A auto-realização comporta então um sentido subjetivo, rompendo o vinculo com a objetividade dos valores.(p.122).

Esse ponto remete ao problema da fundamentação dos direitos humanos, em que podemos discernir entre duas posições: a que defende a possibilidade da fundamentação e a que apregoa ser impossível, e mesmo desnecessária, essa empreitada teórica. Entre os que defendem a primeira posição podemos apontar Habermas; Norberto Bobbio é um dos representantes da primeira. (p.122).

Bobbio e a critica á fundamentação absoluta dos direitos humanos.

Bobbio qualifica a busca de um fundamento absoluto para os direitos humanos como ilusória, e ao que parece insinua que a idéia de direitos humanos absolutamente fundamentados funcionou como empecilho para a geração de novos direitos ou modificação dos já existentes, como ilustra o caso típico do direito de propriedade. Esse direito já foi considerado sagrado e inviolável, mas veio a sofrer limitações durante o século XX. (p.123).

De acordo com Bobbio, os direitos humanos são historicamente gerados, conforme atendam a novas necessidades que a humanidade enfrente. É possível falar em gerações de direitos humanos. Bobbio enumera quatro gerações: a primeira seria constituída pelos direitos liberais; a segunda geração seria constituída pelos direitos sociais; a terceira abrangeria os direitos ecológicos, como um direito a viver em um meio ambiente não poluído; a quarta diria respeito aos direitos biológicos, como a integridade do patrimônio genético. (p.125).

Em suma, os direitos humanos passam por um processo de nascimento e de morte, pois alguns podem desaparecer ou serem fortemente limitados, como é o caso do direito de propriedade ou direito de remuneração igual por trabalho igual. (p.125).

Como caminho alternativo ás incertezas e inexatidões que rondam a qualificação dos direitos humanos, Bobbio sugere o consensus omnium gentium (consenso geral), “que significa que um valor é tanto mais fundado quanto mais é aceito”. Com o argumento do consenso, a prova da intersubjetividade substitui a prova da objetividade, considerada impossível ou inevitavelmente incerta. (p.125).

Para Bobbio a prova cabal do consenso, hoje, é justamente a aceitação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pressuposta aceitação e consumada incorporação desses direitos aos ordenamentos jurídicos nacionais. Bobbio pode defender a tese de que o maior problema em relação aos direitos humanos não é a questão filosófica da justificação, mas a questão política da sua proteção jurídica e real. (p.125).

Essa tese compreende certa dose de positivismo jurídico, o que embora dê á teoria algum amparo não consegue abarcar todo o âmbito. (p.125).

É claro que o consensu omnium gentium de Bobbio não se reduz a aceitação jurídica por parte dos estados, mas remonta também á aceitação coletiva dos valores defendidos. (p. 126).

Habermas e a defesa da fundamentação absoluta dos direitos humanos.

A tese de Bobbio tem aparente plausibilidade, pois acerta no modo como historicamente os direitos humanos surgiram. De fato, “o conceito de direitos humanos não se origina na moralidade, mas antes carrega a marca do direito subjetivo, de um conceito jurídico especifico, portanto. Os direitos humanos são jurídicos por sua verdadeira natureza”. (Habermas, 1997, p.222). e

Também Tungendhat, ao tratar dos direitos humanos, considera-os em conjunto com a necessidade moral do estado, como forma de conferir maior efetividade á cobrança de um direito. O texto da Declaração em seu Preâmbulo assinala a relação entre os direitos humanos e a ordem jurídica estatal. (p.126/127).

Na verdade, alem da garantia de sua eficácia, que pode ser assegurada pela inclusão dos direitos humanos no texto constitucional das nações, a referencia ao direito é necessária para dar conta do que significa ter um direito, ou seja, que responde pelo conceito de adquirir um direito. (p. 127).

Mais importante que a forma jurídica, no seio da qual nascem os direitos humanos, é o próprio significado de dispor do direito que aponta verdadeiramente para o sentido normativo dos direitos humanos. (p.127).

É o modo de validade dos direitos humanos que lhes confere a faculdade de ter repercussão sobre a moral, ou seja, os diretos são correlatos a obrigações morais. (p.127).

No caso dos direitos humanos, podemos por margem a discussão sobre exclusão ou inclusão dos princípios morais para consigo mesmo, porque esses não tratam propriamente de deveres para consigo, uma vez que não constituem deveres jurídicos e sim morais. (p.127).

Para Habermas, se os direitos humanos têm conteúdo moral, então devem ser justificados a partir do ponto de vista moral (Dutra, 1998, p.509-526), em que se aplica o principio de universalização. Deve-se ponderar que o fato de os direitos humanos originarem-se fora do âmbito propriamente moral não implica que se lhes possa atribuir um teor moral. (p. 128).

Se tomarmos por principio a tese de que o significado de direitos humanos implica o conceito de direitos básicos, então podemos formular uma fundamentação absoluta sobre a maior parte dos direitos básicos, a partir da filosofia habermasiana. (p.128).

Essa fundamentação leva em conta as noções de forma jurídica e de principio do discurso. A forma jurídica circunscreve um domínio de liberdade de escolha, que tem conseqüências estruturais para as modernas ordens jurídicas. Ela é obtida a partir do estudo da distinção entre moral e direito. (p.128/129).

O conceito de “forma jurídica” é entendido segundo o modo kantiano de diferenciar direito de moral. Dessa distinção, resulta que a forma jurídica é constituída pela liberdade subjetiva de ação e pela coação. (p.129).

A contribuição que o principio do discurso dá ao direitos fundamentais compreendidos no item 1 é a legitimidade, ou seja, a igualdade na distribuição das liberdades subjetivas de ação, que se não pode deduzir da própria forma jurídica. A igualdade é o principio de legitimação de justiça: “ A simples forma de direitos subjetivos não permite resolver o problema da legitimidade destas leis. (p.130).

Como exemplo histórico dos direitos incluídos no item 1 podemos citar: “os direitos liberais clássicos á dignidade do homem, á liberdade, á vida e a integridade física da pessoa, á liberdade, á escolha da profissão, a propriedade, á inviolabilidade da residência”. (p.130).

O direito não regula moralmente as condutas, ou seja, não prescreve normas universais de comportamento para a totalidade dos seres racionais: o direito regula a conduta de um conjunto de pessoas que cederam seus direitos de uso da força a uma instância que exerce o monopólio da força. Por ser impositivo, então o direito é sempre limitado no espaço e no tempo. É nessa circunstância que lhe cabe definir o status de membro social, ou seja, de designar a quem aplica a sua norma, o que precisa ser feito segundo regras de igualdade. (p.130).

O status de membro social é um direito inalienável. Como manifestações históricas desses direitos têm, por exemplo, a proibição da extradição e o direito de asilo. (p.130).

Os direitos fundamentais do tem 3 resultam da abdicação do individuo ao uso da força. Assim, para o individuo dispor do uso da força, no caso de conflito de direitos, tem de assistir a faculdade de demandá-lá. É pelo principio do discurso que resulta o direito de tratamento igual perante a lei. (p.131).

Ao contrario dos anteriores, que são fundamentados de modo absoluto, esses outros direitos, segundo Habermas, são fundamentados de modo relativo; são exigidos pelos anteriores, mas a sua relatividade reside no fato que poderiam prescindir de tipificação se já fossem direitos efetivos numa dada sociedade. (p.133/132).

O conjunto desses direitos deveria ser decidido em uma comunidade de comunicação, em que, não esta definido, de forma absoluta , se todos tem direito ao trabalho ou a salário desemprego; mas não está determinada a aceitação da regra de que igual trabalho implica igual remuneração. Os direitos ecológicos são ainda mais relativos, segundo Habermas, pois sequer comportam razoes morais, mas tão somente ética. [5] (p.132).

Itajaí, 02 de abril de 2008.


[1]. Guyer, 1998,p.242.

[2]. Kant, 4:403.

[3]. 4:404.

[4]. Um dos mais nobres frutos da ética estóica é o conceito de direito natural e o ideal de humanidade que lhe esta implícito. O direito positivo estabelecido pelos Estados e governos não é o único nem é onipotente. (Hirschberger, 1957, p. 232). Sêneca dizia que “a natureza gerou-nos parentes, dando-nos a mesma origem e o mesmo fim”. Ora, se todos temos a mesma natureza, então temos os mesmos direitos.

[5]. Habermas distingue ética da moral. A ética trataria da felicidade, já a moral versaria sobre o dever, a justiça. Nesse caso, esses termos passam a ter sentido técnico na obra desse autor, embora não sejam restritos nem remetam apenas um significado definido.

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