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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O ESTADO E A POLITICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL COMTEMPORANEO

 

O início deste século 21 tem sido marcado, principalmente, pelo processo de globalização econômico-financeira, impelindo à redefinição do papel do Estado na gestão pública e na sua relação com o mercado e com a sociedade.

O contexto contemporâneo, caracterizado pela globalização, no âmbito econômico, provocou transformações na estrutura do Estado e a redefinição de seu papel enquanto organização política. Diferentemente da redução do papel do Estado no âmbito econômico e social, no que se refere à segurança pública, tem ocorrido uma ampliação dos instrumentos de controle sobre a sociedade. (PASSETTI, 2003, p. 134).

Na esfera do "Estado neoliberal", surge o "Estado penal", pela via de ações fortalecedoras do controle dos processos de marginalização econômica e social: [...] por Estado penalizador, os estudos e pesquisas procuram mostrar as dimensões atuais dos efeitos da globalização nas segregações, confinamentos e extermínios de populações pobres, adulta, juvenil e infantil (PASSETTI, 2003, p. 170).

Para Wacquant (2001, p.13) Esse processo de "criminalização da pobreza e da miséria" está diretamente relacionado à "[...] insegurança social gerada em toda parte pela dessocialização do trabalho assalariado, o recuo das proteções coletivas e a 'mercantilização' das relações humanas". Portanto, a ascensão do "Estado penal" decorre da deterioração das relações sociais de produção e da precarização das formas de trabalho, impostas pelo "Estado neoliberal", implantado para atender aos ditames do mercado.

Em tais condições, desenvolver o Estado penal para responder às desordens suscitadas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela pauperização relativa e absoluta de amplos contingentes do proletariado urbano, aumentando os meios, a amplitude e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário, equivale a restabelecer uma verdadeira 'ditadura sobre os pobres' (WACQUANT, 2001, p. 10).

Assim, a potencialização do mercado, como instrumento regulador das relações sociais em detrimento ao Estado, ocorre concomitantemente ao contingenciamento dos mecanismos de assistência social e ao processo de fortalecimento da penalização como forma de ampliar o controle sobre as periferias e assegurar a manutenção das relações de poder.

Logo, acaba-se tendo "menos Estado" para os ricos, para possibilitar a multiplicação do lucro pela via do mercado e, "mais controle" para os pobres, seja por meio do "Estado penalizador" e "assistencial" ou do processo de exclusão próprio do mercado. Os governos, ao adotarem ações de repressão à criminalidade por meio da institucionalização de processos de criminalização de segmentos sociais, excluídos das possibilidades oferecidas pelo mercado, como forma de dar respostas aos anseios da sociedade em geral, contribuem para que o papel do Estado sirva aos poucos "donos do poder" em detrimento da soberania do povo.

Em fim, estamos diante de um processo contraditório no que se refere ao papel do Estado. Temos, assim, um "Estado para os pobres", com menos assistência e mais controle e vigilância e um "Estado para os ricos", que possibilita menos controle sobre a reprodução econômica. Com isso, as formas de penalização são direcionadas a sujeitos diferenciados.

No Brasil, o processo de democratização do Estado, depois de duas décadas de ditadura militar, pouco modificou o Estado penalizador, fundado na institucionalização da criminalização. No aspecto teórico, constitucional, temos um Estado democrático, contudo, no campo prático, ainda se vive em um Estado autoritário, principalmente nas questões relacionadas à segurança pública.

Neste sentido, esclarece Adorno:

No Brasil, a reconstrução da sociedade e do Estado democráticos, após 20 anos do regime autoritário, não foi suficientemente profunda para conter o arbítrio das agências responsáveis pelo controle da ordem pública. Não obstante as mudanças dos padrões emergentes de criminalidade urbana violenta, as políticas de segurança e justiça criminal, formuladas e implementadas pelos governos democráticos, não se diferenciaram grosso modo daquelas adotadas pelo regime autoritário. A despeito dos avanços e conquistas obtidos nos últimos anos, traços do passado autoritário revelam-se resistentes às mudanças em direção ao Estado democrático de Direito, [...] (ADORNO, 1996, p. 233).

O processo de transição para a democracia, das últimas décadas, enfrentou o desafio de manter a ordem pública em um contexto afetado pela insegurança urbana e a necessidade de mudança de atuação dos órgãos de segurança pública, estruturados sob a influência de resquícios autoritários, mas com a responsabilidade de atuar de acordo com os princípios democráticos, impostos pela sociedade por meio dos movimentos sociais.

A "Constituição Cidadã", promulgada no Brasil em 1988, não culminou, simultaneamente, na construção de uma política de segurança pública democrática por parte dos órgãos responsáveis, estabelecidos no "Estado democrático de Direito". Por isso, as ações de "controle da ordem pública" tornaram-se mais complexas na "ordem democrática" e a reorganização do aparelho estatal não resultou na imediata participação social na construção da política de segurança pública, necessária ao país.

Estado e sociedade devem exercer papéis cruciais na definição de estratégias políticas e de poder que legitimam o processo pelo qual se desenvolve a política pública. Neste embate, os interesses e as contradições, inerentes à dinâmica das relações entre governantes e governados, constituem o fundamento da construção política.

Trata-se, portanto, a política pública, de uma estratégia de ação, pensada, planejada e avaliada, guiada por uma racionalidade coletiva na qual tanto o Estado como a sociedade desempenham papéis ativos. Isto significa que a organização da sociedade por meio de instituições representativas possibilita um maior poder de pressão perante o Estado para que ocorra o atendimento de demandas construídas pela própria sociedade. Logicamente, subjacentes ao ato político que institui a política, existem relações de poder que indicam a correlação de forças sociais e políticas e o arranjo institucional delineador da política pública.

As políticas públicas, promovidas pelo Estado brasileiro até o início dos anos 1980, caracterizavam-se pela "[...] centralização decisória e financeira na esfera federal [...], pela fragmentação institucional [...], pelo caráter setorial [...]" e, principalmente, pela "[...] exclusão da sociedade civil do processo de formulação das políticas, da implementação dos programas e do controle da ação governamental [...]" (FARAH, 2006, p. 189-90).

Nas políticas sociais, a complexidade da política de segurança pública envolve diversas instâncias governamentais e os três poderes da república. Cabe ao Poder Executivo o planejamento e a gestão de políticas de segurança pública que visem à prevenção e à repressão da criminalidade e da violência e à execução penal; ao Poder Judiciário cabe assegurar a tramitação processual e a aplicação da legislação vigente; e compete ao Poder Legislativo estabelecer ordenamentos jurídicos, imprescindíveis ao funcionamento adequado do sistema de justiça criminal.

O sistema de segurança pública brasileiro em vigor, desenvolvido a partir da Constituição Federal de 1988, estabeleceu um compromisso legal com a segurança individual e coletiva. Entretanto, no Brasil, em regra, as políticas de segurança pública têm servido apenas de paliativo a situações emergenciais, sendo deslocadas da realidade social, desprovidas de perenidade, consistência e articulação horizontal e setorial.

Planejamento, monitoramento, avaliação de resultados, gasto eficiente dos recursos financeiros não têm sido procedimentos usuais nas ações de combate à criminalidade, seja no executivo federal, seja nos executivos estaduais. Desse ponto de vista, a história das políticas de segurança pública na sociedade brasileira nas duas últimas décadas se resume a uma série de intervenções governamentais espasmódicas, meramente reativas, voltadas para a solução imediata de crises que assolam a ordem pública [...] (SAPORI, 2007, p. 109).

Mecanismos essenciais não têm sido utilizados pelos diversos governos para possibilitar o pensar, o implementar, o implantar, o efetivar, com eficácia e eficiência, uma política de segurança pública como instrumento do Estado e da sociedade. A promulgação de leis, decretos, portarias e resoluções, visando instrumentalizar o enfretamento da criminalidade e da violência, sem que haja articulação das ações de segurança pública no contexto social, acaba apresentando resultados inconsistentes e insatisfatórios.

Para Bengochea (2004, p.120), a atuação dos órgãos da segurança pública requer interação, sinergia de ações combinadas a medidas de participação e inclusão social e comunitária, cabendo ao Estado o papel de garantir o pleno funcionamento dessas instituições.

E complementa:

A segurança pública é um processo sistêmico e otimizado que envolve um conjunto de ações públicas e comunitárias, visando assegurar a proteção do indivíduo e da coletividade e a ampliação da justiça da punição, recuperação e tratamento dos que violam a lei, garantindo direitos e cidadania a todos. Um processo sistêmico porque envolve, num mesmo cenário, um conjunto de conhecimentos e ferramentas de competência dos poderes constituídos e ao alcance da comunidade organizada, interagindo e compartilhando visão, compromissos e objetivos comuns; e otimizado porque depende de decisões rápidas e de resultados imediatos (BENGOCHEA et al., 2004, p. 120).

Trata-se, de uma questão significativamente complexa que impõe a necessidade de aproximação entre diversas instituições e sujeitos. Entende-se, portanto, a segurança pública como um processo articulado e dinâmico que envolve o ciclo burocrático do sistema de justiça criminal. Sem articulação entre polícias, prisões e judiciário, inclusive sem o envolvimento da sociedade organizada, não existe eficácia e eficiência nas ações de controle da criminalidade e da violência e nas de promoção da pacificação social.

No Brasil, somente uma década após a promulgação da "Constituição Cidadã", que estabeleceu a segurança pública como "dever do Estado e responsabilidade de todos", a política de segurança pública passa a ser pensada sob o contexto de uma sociedade democraticamente organizada, pautada no respeito aos direitos humanos, em que o enfrentamento da criminalidade não significa a instituição da arbitrariedade, mas a adoção de procedimentos tático-operacionais e político-sociais que considerem a questão em sua complexidade.

Nesse panorama, no ano 2000, é criado o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), e no ano de 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), inovando a forma de abordar dessas questões.

 

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