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domingo, 24 de novembro de 2013

Questões de Natureza Epistemológica

 

 

Referência

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Politica Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris/ CPGD/UFSC, 1994.

Resumo da Obra

1. Considerações Iniciais

Osvaldo Ferreira de Melo em sua obra “Fundamentos da Politica Jurídica, com ênfase no Capitulo III, que trata sobre Questões de Natureza Epistemológica, situa o leitor explicando que o objetivo do seu estudo é investigar a possibilidade de apreensão do objeto como instrumento de saber, assumindo uma postura que alguns pesquisadores chamam de atitude metodológica.

Neste sentido, para dar início ao desenvolvimento do presente trabalho, pretende o autor a partir de elaborações conceituais da Dogmática Jurídica, examinar aportes fornecidos pela Axiologia e Teleologia, buscando redefinir conceitos em função de uma visão holística de problemas que passam a pertencer ao campo das estratégias dos juristas.

2. A Produção do Direito

Há três maneiras de tratarmos acerca da produção da norma, sendo todos de grande interesse para a politica jurídica ao abordarmos a função legislativa; função judiciária e a questão do pluralismo jurídico.

A função legislativa e judiciária são objetos da dogmática jurídica que as menciona como técnica ou processo legislativo alem de interpretação e aplicação da lei, que busca-se através de pesquisas das teorias sócio-culturais

A Escola Histórica de Savigny consagrou a figura do legislador mediando o Direito contido na consciência popular com as exigências da organização sistemática, funcionalizando o Direito nas leis e nos códigos. Estabelecia-se aqui uma ligação de fluxos e refluxos contínuos: a Dogmática estimulava a positivação do Direito e essa positivação oferecia condições ideais para o pensamento dogmático se realizar cada vez com mais força. Tornou-se um paradigma em que teoricamente tínhamos um sistema sem lacunas, capaz de oferecer precisão ao atendimento do interprete e do aplicador da lei.

Por sua vez, com o passar do tempo, o Estado definiu novas formas de defesa da ordem estabelecida: A lei escrita transformou-se de instrumento de construção de nova lei social para instrumento de sua conservação. A legalidade da ordem escrita se sobrepôs a todos os padrões de legitimidade e justiça: onde o justo e o legitimo passam a ser vistos como valores transcritos pela lei, e aquilo que a lei não alcança não é considerado Direito.

Sabemos que as propostas progressistas tem suas raízes nas instituições do Estado e como fonte a lei, a doutrina e a jurisprudência ou resultar de criticas e analises, a partir da perspectiva da sociedade e então suas fontes serão informais e poderão estar em movimentos reivindicatórios, nas praticas sociais e atividades forenses influenciadas pela doutrina da livre interpretação.

Sobre a evolução dos sistemas de interpretação e aplicação da lei, Luiz Fernando faz a seguinte divisão. Abandonando a divisão clássica das escolas hermenêuticas, aborda acerca de quatro orientações que agrupam estas escolas: a orientação dogmática, finalista,sociológica e realista, que segundo o autor, parece impulsionar a Ciência Jurídica da modernidade com expressões no realismo norte americano e escandinavo.

No entanto a Escola de Direito Livre, segundo Alf Ross, parte do pressuposto de que “a validade do direito deriva de uma idéia principio ou propósito inerente ao Direito e a idéia de justiça, assim como as atitudes ético-jurídicas do povo , e o principio ad solidariedade, etc. Portanto, a lei, de acordo com isto é, considerada com intento de levar a cabo essa idéia, e a tarefa de interpretação legislativa se define como um pensar plenamente a lei, em harmonia com o principio do Direito.”

Registra-se ainda que não se pode esperar a evolução do Direito apenas com a contribuição do Judiciário. A este cabe produzir a norma individualizada. Somente a lei pode criar normas jurídicas, e por esta razão as posições doutrinarias propugnam pela construção de um direito renovado, positivado, para prevalecer o geral sobre o individual, dando ao juiz o poder de aplicá-lo dentro do principio da epiquéia, ou seja, a licitude operar forma da letra da norma, posicionando a hermenêutica nestes casos como mediadora entre a lei e a consciência jurídica da sociedade em casos concretos.

3. Legitimidade e Legalidade

O Direito como ordenamento abrange um conjunto de normas de conduta e procedimentos judiciais. Tendo como finalidade estabelecer regras de convivência e sobrevivência social, postas em vigência pelo Estado, segundo uma rígida organização.

Com declínio do instrumental escolástico, deu-se inicio a Renascença, e com ela um novo pensamento sistemático como meio de ordem, classificação e regulação. Perdia lugar a teoria da exegese em favor de um sistema fechado, dependente de um elemento superior e metafísico, cristalizado nos códigos, compostos de normas prescritivas, quanto possíveis gerais. Tornando a ordem jurídica formal, técnica, que visionava no campo doutrinário a reconstrução racional do Direito, aplicação, e controle social do Estado.

O historicismo jurídico, contra a legalidade racionalista dos fins do século XVIII, pregava a legitimidade imanente, e propunha uma nova dependência da lei. No entanto a legitimidade historicista confundia-se com a noção de nacionalidade. O Homem universal era substituído por cidadão nacional. Nos usos e costumes residia o espírito da sociedade e esta era a única fonte para legitimar o direito e a lei. As contrafacções deste princípio, puseram em desprestigio a doutrina do “espírito do povo”.

Se buscarmos a legitimidade da lei, em resposta as crenças sociais, o conceito de ‘legitimo’ tende a afastar-se do conceito de ‘legal’, para aproximar-se do de ‘justiça social’. Portanto legitimidade nada mais é do que requisito do valor de justiça como condição especial para a criação de consenso de confiança, predisposição, obediência e eficácia da norma.

A dogmática jurídica pretendeu resolver o problema através de um discurso legitimatório para validar todo o direito vigente, fosse através de ficções (norma fundamental) ou através de deduções (hierarquia das normas), ou ainda de pressupostos formais. Ocorre que a Politica Jurídica a proposta dogmática não é satisfatória, pois a legitimação buscada esta contida no sentido de assegurar valores, sejam eles contidos ou não no ordenamento jurídico. Trata-se na verdade de legitimação extra-sistema arbitrada pela consciência jurídica, compreendida como categoria em sentido amplo, abrangendo não apenas o senso teórico, mas sim, o senso jurídico popular.

4. Caráter Político - Jurídico da Norma

Ihering em sua obra Der Zwek im Recht observara que a norma não é apenas proposição, mas sim, uma proposição de natureza prática, ou seja, uma orientação para a ação humana, portanto uma regra sobre a qual nos devemos guiar. Esta característica de imperatividade provoca na norma jurídica duas conseqüências: ter sua proposição vinculada a uma sanção e gerar, quando não respeitada, um direito subjetivo de exigibilidade à parte prejudicada.

Mister se faz dizer que no caso de prescrição, de um comando, só há duas expectativas cabíveis: obediência ou desobediência. A regra será a obediência e por isso a norma jurídica, alem de prescrever o que se julga anormalidade do comportamento exige a sanção para todo e qualquer desvio de conduta que possa ocorrer. No mesmo sentido é o entendimento Tércio Sampaio Ferraz Jr: “A relação (cometimento) que caracteriza qualquer norma é a relação autoridade/sujeito” e “(...) o que dará caráter jurídico a norma é a institucionalização desta relação de autoridade.”

Kelsen, em sua Teoria Geral das Normas afirma que “quando se diz uma norma vale, admite-se essa norma como existente.” Assim, para Kelsen “validade é a específica existência da norma, que precisa ser distinguida da existência dos fatos naturais e especialmente dos fatos pelas quais ela é produzida”. Afirma também que “a validade de uma norma é fundamentada na validade de outra norma superior” e que uma norma fictícia é um ato pensado e não de vontade, ou seja é norma fundante. “O fundamento de validade das normas instituintes de uma norma jurídica moral positiva é a interpretação do sentido objetivo dos atos ponentes dessas normas como o de seu sentido objetivo (...).”

Portanto, para a Politica do Direito, essa relação autoridade/sujeito vai exigir outros pressupostos para que a norma tenha validade e eficácia.

5. Validade e Eficácia

A dogmática Jurídica entende a validade como qualidade inerente a toda norma posta. Desde que autorizada por norma superior e formalmente construída, é válida, seja ou não cumprida, ganhe ou não adesão social.

O tempo em que essa norma produzir efeitos diz-se que é sua vigência, o que se pode dizer, é que toda regra vigente é formalmente válida, segundo os critérios da Dogmática Jurídica.

Também a Dogmática Jurídica entende a eficácia como a capacidade da norma de produzidos efeitos desejados, ou seja, a conduta prevista, ou então sancionar o desvio desta expectativa.

A esse respeito Kelsen, afirma que a eficácia de uma ordem normativa consiste em que suas normas impõem uma conduta determinada, se, efetivamente, são observadas, e quando não cumpridas são aplicadas. Eficácia para Kelsen, portanto é uma condição de validade. Dentre os exemplos o Autor menciona o caso de uma lei que proíba a venda de bebidas alcoólicas, a qual não observada, por resistência dos sujeitos e também não aplicada, perderia sua validade. Kelsen lembra que uma norma precisa entrar em validade com a possibilidade de ser eficaz.

Observa-se aqui, que a desobediência civil, para Kelsen é apenas um voluntarismo ocasional , e pouco tem haver com o grau de justiça e de utilidade da norma.

Segundo ensina Norberto Bobbio,a desobediência a uma norma quando generalizada , não é algo acidental, transitório ou se causa justa, mas tem por “fim imediato mostrar publicamente a injustiça da lei e com fim mediato induzir o legislador a mudá-la”.

Deveria existir uma relação de reciprocidade entre o legislador e o cidadão, de modo que para o primeiro exigir a obediência do segundo, seu ato, antes de tudo, precisará, obedecer aos valores básicos da sociedade e aos particulares valores do sistema jurídico.

A questão principal, é que a perda da eficácia da norma jurídica pode dar-se não só por situações fáticas ou técnicas, como a caducidade e a revogação, mas também por razões ligadas ao descompasso entre as normas e as crenças da sociedade.

Na visão da Política Jurídica, a validade não pode ser examinada apenas no âmbito formal, lógico-dedutivo. A validade será buscada no exame axiológico e teleológico, tendo-se como norte a legitimidade ética. A eficácia neste contexto, entendida não só em relação a sua adequação ao agir, mas em função da aquiescência social,ou seja, da obediência à conduta esperada.

O que faz nascer uma norma dentro de um sistema jurídico? O que a faz permanecer viva durante certo espaço de tempo? O que provoca ou determina o seu perecimento?

Embora possamos reconhecer que o conteúdo material da norma jurídica tenha sido anteriormente o substrato de uma regra econômica, religiosa, ética, ou de prática social, tal regra, quando ingressa no mundo jurídico como prescrição de comportamento, se revela com uma nova natureza, com um sentido ontológico, em virtude de seu caráter bilateral atributivo e de sua coercibilidade.

Duas seriam então, segundo o entendimento consagrado, tais características distintas: a bilateralidade atributiva (exigibilidade) e o respaldo do Estado, ou seja, a garantia de coação.

Segundo Miguel Reale, a bilateralidade atributiva “é uma relação objetiva que, ligando entre si dois ou mais seres, lhes confere e garante, de maneira recíproca ou não, pretensões e competências”. Por isso, afirma Reale que o “Direito é coercível porque é exigível e é exigível porque bilateral atributivo”.

A coerção, neste passo, é a garantia por parte do Estado e das instituições, da bilateralidade atributiva. É o que Kelsen chamaria de “ordem coercitiva da conduta”.

No que concerne a durabilidade e exclusão da norma, estas deverão obedecer o rito sócio-cultural. A opinião pública, quando o ambiente político a deixa livre, começa a vazar impressões, aspirações, aprovações e vetos, ou seja, a consciência Jurídica da sociedade que vai determinar essas situações.

6. O Direito como Técnica de Controle

O Direito exerce um forte papel controlador, por vários meios. Um deles é pela sua capacidade intrínseca de decidir conflitos. Outra forma habitual é pela prescrição de condutas como expectativa de que as pessoas agirão diferentemente de como o fariam se apenas seguissem seus impulsos e inclinações.

A sanção, pertence ao Estado e que pode ser uma execução civil ou uma pena, são forma de privação ou restrição aplicadas quando a conduta desobedece o esperado pela norma.

A justificação desses atos, formalmente lícitos, é de que sem eles, a tendência do homem seria a utilização freqüente da força sem limites e de práticas guiadas só pela emoção. Por isso, Kelsen afirma que o Direito, quando atribui o monopólio da coação ao Estado, pretende “pacificar a comunidade que constitui, ao eliminar a ameaça da força”.

Nota-se que o objeto da norma, segundo a dogmática jurídica, é sempre a conduta do individuo, nunca do Estado, embora saibamos que, no direito contemporâneo, já existe possibilidades de acionar o Estado, quando seus agentes são responsáveis por danos causados a terceiros.

Porém, o máximo que se prescreve são institutos de proteção a direitos individuais como mandado de segurança, o habeas corpus, a ações indenizatórias e outras que obrigam o Estado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, em atenção à lei.

Tudo isso nos leva á noção de que o Estado é imputável, mas não significa que admita ser controlado pelos cidadãos.

Assim, deveria existir regulamentação também quanto aos deveres do Estado para com a sociedade, afim de que os cidadãos pudessem exercer o direito de exigibilidade.

Embora o Poder seja menos estatizado, por estar fora do núcleo político, o que existe hoje, é um Poder que não deve criar direitos, e sim decidir nos limites impostos pela lei. Numa situação assim, dificilmente o Juiz possa intermediar o controle do Estado pela Sociedade, pois muito mais que um agente da sociedade, ele é um porta voz do Estado.

A mediação de interesses, tarefa precípua do Judiciário reclama um juiz que não se sinta funcionário do Estado, mas um ser autônomo que valoriza cada conflito, arbitrando-se sem importar-lhe que o Autor ou Réu seja o Estado ou o indivíduo.

Exige-se para isso, segundo o autor, uma correção jurídico-política das instituições e do próprio Direito.

7. O Direito como Instrumento de Transformação Social

Eduardo Novoa Monreal, em um ensaio publicado na década de 70 alega que vivemos numa sociedade em que tudo está disposto para que seu sistema de organização seja um modelo insuperável, devendo reproduzir-se e perdurar em nome dos valores tradicionais da paz e da segurança.

A crítica desse autor, se desenvolve em dois mitos: o da validade incondicional das normas postas pelo Estado e da aceitação da representação legislativa como uma autentica participação popular no governo, sendo o Juiz o aplicador do controle da sociedade e dos indivíduos em nome do Estado.

Em verdade, não se pode aceitar que seja o Direito necessariamente um obstáculo ao progresso e a modernização.

Muitos juristas temem que a abertura jurídica a um trabalho interdisciplinar e a uma aproximação maior a um paradigma axiológico, seja o caminho da autodestruição do Direito.

Miguel Reale, em postura contrária, afirma que o Direito, se não for entendido simultaneamente como fato, valor e norma (visão tridimensional), não permitirá a aproximação entre o mundo das práticas sociais e da positivação.

Por óbvio, que nem todas as práticas sociais são necessariamente boas. No entanto elas têm, em regra, mais condições de ganhar eficácia pela alegada legitimidade da fonte. Da mesma forma não será, pelo fato de residir no social, que o costume possa ser invocado para dirimir questões da vida contemporânea.

O que se objetiva no entanto, é a construção de um Direito novo partindo de um esforço heurístico ( um método analítico que busca descobrir a verdade científica). Assim, com mais liberdade e espaço, poderão ser testadas as compatibilidades e as possibilidades.

É certo que tudo isso vai enfraquecer os paradigmas da Dogmática Jurídica, mas não o Direito, pois a mediação jurídica para os conflitos tende a legitimar-ser e ganhar maior eficácia à medida que vai renovar-se continuamente na fonte autêntica e primária, que são os fatos da vida percebidos no cotidiano.

Poderemos repensar o Direito para nossa época, selecionando, de todas as fontes teóricas, as que melhor se adaptam às realidades presentes e mesmo ao futuro que possamos predizer com um mínimo de segurança e racionalidade.

8. Possibilidade de Conciliação entre os Princípios de Liberdade e Igualdade

Desde Aristóteles, Cícero e Justiniano, o pensamento político jurídico foi modulando aos poucos conceitos de liberdade e igualdade, direitos fontes de onde outros surgiram. Cada filósofo da Política e do Direito foi acrescentando algo mais até que a fusão se consumou no século XVIII.

A Declaração de Virgínia (1776) e a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), foram seus marcos definitivos.

A evolução conceitual levou ao entendimento de que nem todos os direitos subjetivos estariam contidos nos direitos fundamentais. Haveria os de natureza social e política, entre eles: os direitos referentes à liberdade de associação, de manifestação do pensamento, da inviolabilidade da correspondência e outros do gênero que aos poucos foram sendo reconhecidos.

Pontes de Miranda é muito preciso quando nos diz que as liberdades individuais não existem “por si e para si”, ... “o individuo é que é livre, a liberdade existe para o individuo. Por isso mesmo, quando se verifica que o individuo é lesado por ela, o Estado ampara, protege, vela pelo individuo”.

Além dos direitos fundamentais inerentes à pessoa, há aqueles que são decorrentes ou derivados do primeiro. É o que acontece com o princípio da igualdade, pois ela existe somente à medida que se amplia a liberdade como direito de todos. É a distribuição equitativa da liberdade que gera a igualdade.

A conciliação entre o principio da liberdade e da igualdade tem sido muito difícil na prática. Entra em choque o Liberalismo, que busca na individualidade minimizar o social, e o Socialismo desprezando o homem fora do social.

O fundamental é perceber que a Natureza faz os homens desiguais, não quanto à sua qualidade de pessoa, mas apenas em aspectos referentes à sua força física, aptidões, capacidade intelectual, e aspectos morfológicos. É preciso criar condições para que tais diferenças se diluam pelas oportunidades oferecidas, preocupando-se acima de tudo com a Ética e a Justiça.

Apreciação das Resenhistas

Diante a leitura sobre as questões de natureza epistemológica, observa-se que a Politica Juridica apresenta-se como meio de aperfeiçoamento e adequação, possibilitando, dentro do sistema dogmático a partir de critérios de justiça e utilidade social, uma legislação mais avançada e rica, primando pela valorização do ser humano, assim como a dignidade de tratamento nas relações entre o homem e a natureza.

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