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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

MULHERES QUE CORREM COM LOBOS – Clarissa Pinkola Estés


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O livro organizado por uma psicologa yunguiana faz um paralelo entre o arquétipo da mulher selvagem e os lobos, dizendo que não é a toa que ambos, a medida em que o homem se civiliza, estão simultaneamente em extinção. Os Lobos. com a destruição das florestas e tendo sido considerados criaturas do mal e foram sendo aniquilados ao longo de muitos anos. Já em relação ao arquétipo da mulher selvagem, o livro trás várias histórias que retratam a essência dessa mulher selvagem que reside naquilo que existe de mais primitivo e ancestral na vida, principalmente das mulheres. Dentro de uma abordagem Junguiana desse fenômino, a autora se auto-intitula contadora de histórias e chama a atenção para a sua ancestralidade como justificativa para seu estudo. Ele inclusive diz que somos frutos de um acúmulo geracional de conhecimento que forma o conjunto de informações que reconhecemos como alcumulo coletivo e social. A primeira e bastante instigante história é a de La Loba ou da Colecionadora de ossos. Esta mulher, que viveria num deserto, percorria o mundo resgatando e colecionando ossos de toda ordem. Mas especificamente se interessa pelos ossos de esqueleto dos lobos. Procurava recolhe-los até completar um esqueleto inteiro. Então, ela montava esse esqueleto no chão, e depois de algum momento de concentração, ela começa a dançar em torno do esqueleto, que começa a medida em que essa dança vai se intensificando este começa a se encher de carnes e formas e quanto mais essa mulher dança, mas ele vai retomado a forma viva. Por ultimo ela intensifica a dança e como um sofro de vida, esta ossada ganha a vida de um lobo que sai correndo depois de pronto.
A autora depois de exemplificar seus temas com os contos, procura descrever seus argumentos a respeito do tema feminino demostrando toda a dinâmica que se traduz, numa necessidade social de repressão e opressão, às questões femininas. É também um livro que valoriza a arte dos contadores de histórias, griots, trovadores que preservaram determinados enredos ao longo da humanidade.


O dia da tempestade–Rosamund Pilcher

 

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Rebecca estava feliz pois, pela primeira vez, iria morar sozinha. O apartamento era pequeno, não havia mobília ainda, mas nada disso importava. Ela teria prazer em comprar coisas para o seu lugar. Era Janeiro em Londres e fazia frio.

Foi neste contexto que Rebecca recebeu uma carta de um desconhecido dizendo que sua mãe estava muito doente e que ela deveria ir até Ibiza para visitá-la. E assim, com o coração na mão, com receio de não conseguir ver sua mãe viva, Rebecca embarca para a Espanha. 

Sua mãe está de fato muito mal, mas elas passam uma noite inteira conversando e Rebecca começa a conhecer um pouco mais sobre seu passado, sua família, que Lisa nunca havia falado muito. Sua mãe morre, mas Rebecca vai em busca de sua raizes e nos leva com ela até a Cornualha, com seu tempo quase sempre chuvoso e ventos assustadores.

 

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Solstício de Inverno–Rosamunde Pilcher

 

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O leitor conhece a história de Elfrida Phipps, que larga Londres e vai morar em uma pequena cidade, tendo como companhia um cão e a amizade de um casal vizinho. Mas um acontecimento inesperado faz com que a protagonista viaje para a Escócia, pois terá que resolver antigos problemas.
Ao deixar Londres para sempre com o intuito de construir uma nova vida para si mesma, Elfrida Phipps, no começo, se sentiu meio solitária. Passados dezoito meses, e vivendo na companhia de um cão adotado, a quem chamava de Horácio, já não se via mais morando em outro lugar que não a agradável Dibton, em Hampshire. Elfrida sabia quem morava em cada casa, tudo na cidade era muito comum e simples e, na verdade, era justamente disso que mais precisava. Gostava de desfrutar da companhia de seus vizinhos, o casal Glória e Oscar Blundell - Oscar, principalmente -, mas não dispensava seus momentos de liberdade. Até que uma tragédia chega para abalar radicalmente sua vida. Elfrida se vê abandonando seu chalé encantador e partindo subitamente para a Escócia, onde seu futuro parecerá incerto e nada promissor. Em 'Solstício de Inverno', Rosamunde Pilcher conta a história de cinco pessoas totalmente diferentes, mas ao mesmo tempo intrigantes. Mergulhadas na solidão, na saudade, no abandono e na perda, o destino irá uni-las numa enorme casa no norte da Escócia.

 

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Rosamunde Pilcher

 

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Rosamunde Pilcher, OBE (Cornuália, 22 de Setembro de 1924) é uma escritora inglesa.

Rosamunde Pilcher é uma escritora inglesa nascida na Cornualha no dia 22 de Setembro de 1924, com uma carreira da qual seu mais famoso livro foi "Os Catadores de Conchas, publicado em1988 aos 64 anos de idade. Pilcher edita o seu primeiro livro, Half-way to the Moon, em 1949, usando o pseudônimo Jane Fraser e só após dez títulos optou pelo uso do seu nome. A Secret to Tell, publicado em 1955, é assim o primeiro dos vinte e três romances que escreve já sob o nome de Rosamunde Pilcher. Apesar de a sua carreira de escritora ter cessado em 2000, até os dias de hoje é bem prestigiada por suas obras que incluem de A Casa Vazia até Setembro.

 

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Livro de cabeceira da semana – “Perto do Coração Selvagem” (Clarice Lispector)

 

 

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Perto do Coração Selvagem é uma obra escrita por Clarice Lispector  em 1944. O livro mostra o cotidiano de Joana, menina criada pelo pai, já que a mãe, Elza, morrera muito cedo. O pai passado alguns anos também morre, então ela vai morar com a irmã de seu pai. A tia não gostava de Joana, pois a presença da menina a sufocava e a enviou para um internato, lá ocorre uma paixão avassaladora por seu professor um pouco mais velho. Um ponto culminante que a enviou para o internato foi dias antes acompanhando à tia as compras, como um teste para si mesma e causa espanto aos outros, Joana roubou um livro, trazendo mais dificuldades a sua convivência com a família da tia.

Fora do internato casa-se com Otávio. Joana fica grávida, para a maioria das mulheres a gravidez é uma felicidade, mas para ela não foi assim. Descobre que o marido tem uma amante, Lívia, sua ex-noiva que estava também grávida. Com o tempo ocorre a separação entre Joana e o marido.

Em meio aos acontecimentos observa-se a todo o momento o fluxo de consciência, uma procura constante em descobrir e encontrar a razão de ser de sua existência. O contexto mostra a situação do universo feminino da mulher-esposa, da relação do “eu” e do “outro” ou da relação menina-mulher-amante.

O tempo passa e ela tem um caso com um desconhecido. O homem surgiu estranhamente e também partiu estranhamente. Com a desilusão Joana resolve fazer uma viagem sem destino e não definida, objetivo procurar seu resgate pessoal. A história chega a ser um enigma da vida.

No decorrer de todo o livro mostra o conflito entre morte e vida, bem e mal, amor e ódio, a crise do indivíduo. A busca por algo aparentemente exterior e descobrindo que é a procura do autoconhecimento.

 

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A FICHA RESUMO / ANALÍTICA DE OBRA CIENTÍFICA - Vida ética/ Peter Singer

 

A FICHA RESUMO / ANALÍTICA DE OBRA CIENTÍFICA

1. NOME COMPLETO DO AUTOR DO FICHAMENTO:

Alexandra Olliver

2. OBRA EM FICHAMENTO:

SINGER, Peter. Vida ética: Os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Ediouro. Rio de Janeiro. 2002.

3. ESPECIFICAÇÃO DO REFERENTE UTILIZADO:

Fazer Ficha de leitura modelo Ficha resumo/analítica de obra científica da seguinte obra: SINGER, Peter. Vida ética: Os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Ediouro. Rio de Janeiro. 2002.

4. RESUMO DO LIVRO

SOBRE A ÉTICA.

A ética não constitui um sistema ideal, que seja nobre na teoria, mas que não funcione na prática. O contrario disso está mais próximo da verdade: um juízo ético que não funcione na pratica, deve igualmente padecer de um defeito teórico, pois o objetivo essencial dos juízos éticos é orientar a prática. (p. 26).

Há quem pense que a ética é inaplicável ao mundo real, por considera - la um sistema de normas simples e curtas, do gênero “não minta”, “não roube” e “não mate”. Não é de espantar que os adeptos dessa concepção de ética também acreditem que ela não foi talhada para as complexidades da vida. Em situações incomuns, as normas simples entram em conflito, e ainda que assim não fosse, a observância de uma norma pode ser desastrosa. Normalmente, pode ser errado mentir, mas se você vivesse na Alemanha nazista e a Gestapo batesse a sua porta em busca de judeus, certamente seria correto negar a presença da família judia escondida em seu sótão. (p.26).

Existe uma duradoura abordagem da ética que se mostra bastante inofensiva as complexidades que dificultam a aplicação das normas simples. Trata-se da concepção consequencialista, cujos seguidores partem de objetivos, e não de regras morais. O critério de avaliação das ações é o quanto estas contribuem para o sucesso desse objetivo. Mesmo não sendo a única, a mais conhecida das teorias consequencialistas é o utilitarismo. (p. 26).

A ética não é algo inteligível apenas no contexto da religião. (...). No âmbito tradicional, a mais importante ligação entre religião e ética foi o pensamento de que a religião oferecia uma razão para a ação correta, sendo aquela o fato de que os virtuosos seriam recompensados com uma eternidade de bem aventurança, enquanto os maus arderiam no inferno. (p.27).

A questão central suscitada pela afirmativa da subjetividade da ética é o papel que a razão pode representar na ética. (...). Logo, para colocar em bases sólidas a ética pratica, o necessário é mostrar que é possível o raciocínio ético. (p.31).

O que a ética é: uma concepção.

É um esboço de uma concepção ética que atribui a razão um importante papel nas decisões éticas. Não se trata da única visão possível, porem, é uma visão plausível. (p.31).

Para que os atos ditados pelo interesse pessoal sejam eticamente defensáveis é preciso demonstrar que eles tem princípios éticos de base mais ampla, pois a noção de ética subtende a idéia de algo maior que o individual. Se devo defender minha conduta com base na ética, não posso apontar somente os benefícios que ela me traz. É preciso dirigir-me a um público mais amplo. (p.33).

A ética assume um ponto de vista universal. (...). A ética exige ultrapassarmos o os “eu” e “você” para chegarmos a lei universal, ao juízo universalizável, ao ponto de vista do espectador imparcial ou observador ideal, ou como quer que o chamemos. (p.34).

O aspecto universal da ética oferece uma razão realmente convincente, ainda que não conclusiva para a adoção de uma posição amplamente utilitária. (p. 35).

Ao aceitar que os juízos éticos devem ser feitos desde um ponto de vista universal, estou aceitando que meus próprios interesses não podem, pelo mero fato de serem meus, contar mais que os interesses de qualquer outra pessoa. Portanto quando penso eticamente, minha preocupação natural de ver atendido meus próprios interesses deve ser estendida aos interesses dos outros. (p.35).

A posição utilitária é a oposição mínima, uma base inicial que alcançamos ao universalizar a tomada de decisão baseada em interesse pessoal. Não podemos nos furtar a dar semelhante passo, se vamos pensar eticamente. Se vamos nos deixar convencer de que devemos transcender o utilitarismo e aceitar normas ou ideais morais – não utilitários, precisamos estar munidos de boas razões para dar mais esse passo. Até que essas razões sejam produzidas, temos alguns motivos para permanecer utilitaristas. (p.36).

SALVAR E TIRAR A VIDA HUMANA

Fome, riqueza e moralidade.

Se esta em nosso poder evitar que aconteça algo de mau, sem com isso sacrificar nada que tenha importância moral comparável, nos devemos moralmente faze-lo. Com a expressão “sem sacrificar nada que tenha importância moral comparável”, o que quero dizer é sem provocar a ocorrência de alguma coisa comparavelmente má, nem fazer algo que seja mau em si, nem deixar de promover algum bem moral, de relevância comparável a coisa ruim que podemos evitar. Esse princípio parece quase tão indiscutível quanto o ultimo. Ele só exige de nós evitarmos o que é mau e não exige promovermos o que é bom; e só exige isso de nós quando pudermos fazé-lo sem sacrificar nada que, do ponto de vista moral, seja comparavelmente importante. (p.140).

Em primeiro lugar, o principio ao leva em conta a proximidade ou à distância. Não faz nenhuma diferença moral se a pessoa a quem eu possa ajudar é o filho de um vizinho que vive a dez minutos de mim ou um bangalês cujo nome jamais saberei e que vive a dez mil quilômetros de distância. Em segundo lugar o principio não faz distinção entre casos nos quais eu sou a única pessoa potencialmente capacitada a fazer alguma coisa e casos nos quais eu sou apenas uma pessoa entre milhões que estão na mesma posição. (p.141).

Creio que não preciso dizer muita em defesa da recusa a levar em proximidade e a distância. O fato de uma pessoa estar fisicamente próxima a nós, de forma a termos contato pessoal com ela, pode aumentar a probabilidade de que iremos ajuda - lá, porém não mostra que devemos ajuda – lá, em vez de ajudar a outra que por acaso se encontre um pouco distante. Se aceitarmos algum princípio de imparcialidade, de universalidade, de igualdade, ou coisas desse naipe, não podemos discriminar alguém só por estar distante de nós (ou por estarmos distante dele). (p.141).

Do ponto de vista moral, a transformação do mundo numa “aldeia global”, fez uma diferença crucial, ainda que pouco reconhecida, para nossa situação moral. (p.141).

O ponto de vista moral exige olharmos alem dos interesses de nossa sociedade. Antes, como já mencionado, talvez isso dificilmente possível, mas agora é bastante praticável. Do ponto de vista moral, evitar que passem fome milhões de pessoas alheias a nossa sociedade deve ser considerado no mínimo tão premente quanto apoiar as normas de propriedade vigentes no interior de nossa sociedade. (p.146).

A segunda objeção a atual distinção entre o e caridade é uma, vez ou outra, tem sido feita contra utilitarismo. Decorre de algumas formas de teoria utilitarista que todos nós teríamos, moralmente, de estar trabalhando em tempo integral para aumentar o equilíbrio entre felicidade e infortúnio. (p.147).

Mesmo, quando todas as considerações dessa ordem tiveram sido levadas em conta, permanece a conclusão: nós teríamos de estar impedindo tanto sofrimento quanto possível, sem sacrificar algo de importância moral comparável. Essa é uma conclusão que talvez relutemos em enfrentar. Porem, não consigo ver por que ela deveria ser considerada uma critica de posição e não uma critica de nossos padrões corriqueiros de conduta. (p. 147).

Comentam-se as vezes que a ajuda externa deveria ser uma responsabilidade governamental e que, portanto, não se deveriam fazer doações a instituições de caridade do setor privado. Fazer doações a particulares, comenta-se, permite que o governo e os membros da sociedade não doadores fujam de suas responsabilidades. (p. 148).

Parece mais plausível a visão oposta a de que se não houver doações voluntárias, o governo, supondo os cidadãos desinteressados nos programas de auxilio aos famintos, não irá querer ser forçado a prestar ajuda. (p.148).

Para o filósofo, como para qualquer um não parecerá fácil realizar em sua atitude e estilo de vida uma mudança de tamanha envergadura quanto a envolvida, se não me engano, em fazer tudo que teríamos obrigação de estar fazendo. Mas pode-se, pelo menos começá-la. O filosofo que agir assim precisará sacrificar alguns dos benefícios da sociedade de consumo, mas poderá achar-se compensado pela satisfação de levar um estilo de vida no qual a teoria prática, se ainda não estão em harmonia, pelo menos estão se aproximando. (p.152).

O QUE HÁ DE ERRADO EM MATAR?

A vida humana.

Dizem frequentemente que a vida é sagrada. Mas quase nunca isso é dito no sentido literal. Não se quer dizer que a vida seja sagrada em si, como parecem indicar as palavras. (...). Quando dizem que a vida é sagrada, as pessoas têm em mente a vida humana. Mas por que deveria a vida humana ter um valor especial? (p. 161).

Podemos considerar que a doutrina da sacralidade da vida humana é apenas um modo de afirmar que a vida humana tem algum valor especial e bastante distinto do valor das vidas de outros seres vivos. (p.161).

A concepção de que a vida humana tem um valor singular esta profundamente enraizada em nossa sociedade e é consagrada em nossas leis. (p.162).

Em todas as sociedades de que temos noticia existe alguma proibição de se tirar a vida. Provavelmente nenhuma sociedade poderá sobreviver se permitir a seus membros matarem-se uns aos outros sem qualquer restrição. Contudo, a questão de quem deve ser objeto de proteção varia de uma sociedade para outra. (p.162).

Em muitas sociedades tribais o único delito grave é matar um membro inocente da própria tribo – membros de outras tribos podem ser mortos impunemente. (p.162/163).

Hoje em dia a maioria das sociedades, se não na pratica, pelo menos em teoria concorda em que, excetuando casos especiais como a auto defesa, a guerra, possivelmente a pena de morte e uma ou duas outras áreas pouco definidas, é errado matar seres humanos, seja qual for sua raça, religião, classe ou nacionalidade. (p.163).

Nesse ponto deveríamos fazer uma pausa para indagar o que queremos dizer ao empregarmos expressões como “vida humana” ou “ser humano”. São expressões que figuram com destaque, por exemplo, em debates sobre o aborto. (p.163).

É possível dar á expressão “ser humano” um significado exato. Podemos usá-la como equivalente a “membro da espécie homo sapiens”. Pode-se determinar cientificamente se um indivíduo é, ou não, membro de determinada espécie, mediante o exame da natureza dos cromossomos presentes nas células dos organismos vivos. (p.163).

Neste sentido não resta dúvida de que é um ser humano, desde os primeiros momentos da sua existência, um embrião concebido do esperma e do óvulo de seres humanos; e mesmo esta valendo para o ser humano portador das mais profundas e irreversíveis deficiências mentais, até mesmo um bebê que nasceu com anencefalia – literalmente desprovido de cérebro. (p.163).

Esses dois sentidos de “ser humano” coincidem em alguns pontos, mas não inteiramente. O embrião o feto, a criança com grave deficiência mental e até mesmo recém nascido, todos estes são indiscutivelmente membros da espécie Homo sapiens, porem nenhum deles tem consciência de si, nem um sentido de futuro, nem é capaz de se relacionar com os demais. (p.164).

De nada serviria estipular que usaremos o termo “humano” para, digamos, o primeiro dos dois sentidos que acabamos de descrever, e que, assim sendo, o feto é um ser humano e o aborto imoral. E tampouco seria optar pelo segundo sentido e argumentar com base nele que o aborto é aceitável. (p.164).

Este sentido tem antecedentes filosóficos impecáveis. John Locke define uma pessoa como “um ser inteligente e racional, dotado de razão e reflexão, capaz de cogitar de si mesmo como uma mesma coisa pensante, em diferentes tempos e lugares”. (p. 165).

O valor da vida dos membros da espécie sapiens.

O erro de infligir a dor a um ser, assim como o erro de matá-lo, não pode depender da espécie a que ele pertence. Os fatos biológicos que servem de baliza ao traçado da linha divisória de nossa espécie não tem significado moral. Dar preferência a um ser simplesmente porque ele é membro de nossa espécie nos colocaria em pé de igualdade com os racistas, cuja preferência vai para membros de sua própria raça. (p.165).

As nossas atitudes no presente datam do advento do cristianismo. Havia uma motivação teológica especifica para a insistência cristã na importância da condição de membro de uma espécie: a convicção de que todos os nascidos de pais humanos são imortais e destinam-se a uma eternidade de aventuras ou de perenes tormentos. Em virtude dessa convicção, o assassinato de um homo sapiens adquiriu um terrível significado, pois entregava aquele ser ao seu destino eterno. (p.166).

Uma segunda doutrina cristã que conduzia á mesma conclusão era a crença de que, por termos sido criados por Deus, somos propriedade divina, e que matar um ser humano é usurpar o direito divino de decidir quando viveremos e quando morreremos. (p.166).

Durante os séculos de domínio cristão sobre o pensamento europeu, as atitudes éticas fundamentadas nessas doutrinas tornaram-se parte da inconteste ortodoxia moral da civilização européia. Na atualidade, as doutrinas não mais encontram aceitação geral, porem as atitudes éticas que elas fomentaram integram-se á arraigada crença ocidental na singularidade e nos previlégios especiais de nossa espécie, e assim vão sobrevivendo. (p.167).

Todavia, no momento presente, em que estamos reavaliando nossa concepção especista da natureza, é hora de também reavaliar nossa crença na santidade das vidas dos membros de nossa espécie. (p. 167).

O valor da vida de uma pessoa.

Dividimos a doutrina da santidade da vida humana em duas propostas distintas. Segundo uma delas, há um valor especial na vida de uma pessoa. (p.167).

Uma linha de argumentação para responder afirmativamente a essa pergunta o seguinte: um ser autoconsciente tem consciência de si como entidade distinta, dotada de passado e futuro. (...). Um ser consciente de si a esse, portanto será capaz de ter desejos ligados a seu próprio futuro. (...). Tirar a vida de qualquer dessas pessoas sem o seu consentimento significa frustar-lhes os desejos para o futuro. (p.167).

Termos como prazer e felicidade são pouco precisos, mas aludem a algo vivenciado, ou sentido a estados de consciência. Segundo o utilitarismo clássico, não há importância direta no fato de ter, ou não, desejos para o futuro não faz diferença para a quantidade de prazer ou dor que experimenta aqui a condição da pessoa não é diretamente relevante em relação ao erro de matar. Indiretamente, a condição de pessoa pode ser importante para o utilitarista clássico. (p.168).

Considero indireta essa razão por não estar ligada a qualquer delito direto cometido contra a pessoa morta, mas sim as conseqüências para outrem. É certamente estranha a oposição ao assassinato não pelo dano causado á vitima, mas pelo efeito do delito em terceiros. (p.168).

O utilitarismo clássico pode considerar errado o assassinato porque elimina a felicidade que a vitima se não tivesse morrido teria experimentado. (p.169).

Aqui não pretendemos negar que tais seres possam lutar contra uma situação em que suas vidas correm perigo, porem, indica tão somente uma preferência pela cessação de um estado de coisas que é percebido como doloroso ou assustador. (p.172).

Uma pessoa tem direito a vida?

Embora o utilitarismo preferencial ofereça uma razão direta para não se matar uma pessoa, há quem ache que a razão – mesmo quando associada ás importantes razões indiretas que qualquer forma de utilitarismo levará em consideração – não é suficientemente rigorosa. Mesmo para o utilitarismo preferencial, o mal feito a uma pessoa assassinada é meramente um dos fatores a se levar em conta, e a preferência da vitima poderia, em algumas ocasiões, pesar menos que as preferências dos demais. (p.172).

Não estou convencido da utilidade ou relevância do conceito de direito moral, a não ser quando usado como forma abreviada de alusão a considerações morais mais fundamentais. Contudo, por ser popular a idéia de que temos um “direito a vida”, cabe perguntar se haveria fundamento para a atribuição do direito á movida ás pessoas, em sua condição de serem distintos de outros seres vivos. (p.173).

Michel Tooley, um filosofo americano contemporâneo, argumentou que os únicos seres a terem direito a vida são os que podem conceber-se como entidades distintas existentes no tempo – em outras palavras, pessoas no sentido em que empregamos o termo. (p.173).

Tooley, admite a dificuldade de se formular com exatidão as ligações entre direitos e desejos, uma vez que há casos problemáticos, como o das pessoas adormecidas ou temporariamente inconscientes. (p.173).

Se o direito a vida é o direito de continuar existindo como entidade distinta, então o desejo que é relevante para o direito a vida é o desejo de continuar existindo como entidade distinta. Só um ser capaz de conceber a si mesmo como entidade distinta existente no tempo – ou seja, só uma pessoa – poderia ter esse desejo. Por conseguinte, só uma pessoa poderia ter direito á vida. (p. 173).

TIRAR A VIDA:

O EMBRIÃO E O FETO.

A posição dos conservadores

O principal argumento contra o aborto, enunciado como argumento formal seria: (p.186).

Primeira premissa: È errado matar um ser humano inocente.

Segunda premissa: Um feto humano é um ser inocente.

Conclusão: Logo, é errado matar um feto humano. (p.186).

A clássica reação liberal é negar a segunda premissa deste argumento. Por conseguinte, a questão vai concentrar – se em se o feto é, ou não, um ser humano; e com freqüência, considera-se a polemica acerca do aborto um debate sobre em que momento tem começo uma vida humana. (p.186).

Os conservadores apontam para a continuidade que existe entre o óvulo fertilizado e a criança, e desafiam os liberais a apontarem algum estagio desse processo gradual que marque uma linha divisória moralmente significativa. (p.186).

As linhas comumente sugeridas sob o nascimento, a viabilidade, os primeiros movimentos do feto e o surgimento da consciência. (p.187).

O nascimento

O nascimento é o mais visível das linhas divisórias possíveis, e aquela que melhor conviria aos liberais. Ele coincide até certo ponto com nossas preferências – a destruição de um feto que nunca vimos nos perturba menos que a morte de um ser passível de ser visto, ouvido e acalentado. Todavia, será que isso basta para fazer do nascimento a linha que decide se um ser pode, ou não, ser morto? (p. 187).

A localização de um ser – dentro e fora do útero não deveria fazer tamanha diferença diante da incorreção de matá-lo. (p.187).

A viabilidade

Se o nascimento não marcar uma distinção moral decisiva, deveríamos fazer recuar a linha demarcatória para a altura em que o feto poderia sobreviver fora do útero? Isso anula uma objeção ao nascimento como ponto decisivo, pois trata como idênticos, no mesmo estágio de desenvolvimento, o feto viável e seu bebê de parto prematuro. (p.187).

Há outra importante objeção á conversão da viabilidade em ponto de interrupção: é o fato de variar com o estado da tecnologia médica o ponto a partir do qual o feto pode sobreviver fora do útero materno. (p.187).

Hoje em dia um feto de seis meses gestacionais – a três meses do termo – frequentemente consegue sobreviver, graças às sofisticadas técnicas da medicina, havendo mesmo casos de sobrevivência de prematuros nascidos com cinco semanas e meia de gestação. (p.188).

Um feto de seis meses poderia ter uma forte probabilidade de sobrevivência se nascesse numa cidade onde são usadas as mais recentes técnicas médicas, porem não teria a menor oportunidade se nascesse numa aldeia remota do Chade ou da Nova Guiné. (p.188).

Os liberais podem responder que, pelo fato de depender inteiramente de sua mãe para sobreviver, isso significa que o feto, independente dos desejos dela, não tem direito a vida. Em outros casos, porem, não sustentamos que a dependência total em relação a outra pessoa signifique que esta possa decidir se devemos viver ou morrer. Um recém nascido dependerá inteiramente da mãe, se por acaso houver nascido numa região isolada, onde não haja nenhuma outra mulher em aleitamento, nem os meios de alimentá-lo com mamadeira. (p.189).

Não é plausível sugerir que a dependência do feto inviável em relação a sua mãe dê a esta o direito de matá-lo; e se a dependência não justifica a transformação da viabilidade em linha divisória, então é difícil ver o que possa justificá-la. (p.189).

Os primeiros movimentos

Se nem o nascimento nem a viabilidade determinam uma distinção moralmente significativa, menos ainda se dirá em defesa do terceiro candidato, o primeiro movimento do feto. Essa fase em que a gestante começa a sentir o feto mover-se era considerada, na teologia católica tradicional, o momento em que o feto recebia a sua alma. Se aceitamos esse conceito, podemos considerar importantes os primeiros movimentos, já que, na visão cristã, a alma é o que distingue os humanos dos animais. (p.189).

O feto está vivo antes desse momento, e estudos realizados com ultra-som demonstram que, na verdade, seis semanas após a fertilização ele já começa a se mexer, muito antes que seus movimentos possam ser sentidos. (p. 189/190).

Em todo caso, a capacidade de realizar movimentos físicos - ou a falta dela – não tem nada a ver com seriedade do direito á continuação da vida. A falta de tal capacidade não é vista como negação dos direitos paralíticos a continuarem vivendo. (p.190).

A consciência.

Pode-se atribuir ao movimento uma importância moral indireta, na medida em que é uma indicação de alguma forma de consciência – e, como já vimos à consciência e a capacidade. (p.190).

Os adversários do aborto desejam realmente preservar o direito do ser humano a vida desde o momento da concepção, quer haja consciência ou não. Para quem defende apelar para a ausência da capacidade de consciência ou não. Para quem defende o aborto, apelar para a ausência da capacidade de consciência tem parecido uma estratégia arriscada. Com base nos estudos que mostram que a ocorrência do movimento já se registra na sexta semana após a fertilização, articulados a outros estudos que constataram alguma atividade cerebral já na sétima semana, sugeriu-se que o feto poderia ser capaz de sentir dor nesse estagio incipiente da gravidez. (p.190).

Esta possibilidade levou os liberais a usarem de prudência em seu apelo ao surgimento da consciência como o ponto a partir do qual o feto começa a ter direito a vida. (p.190).

A busca dos liberais por uma linha divisória moralmente decisiva entre o recém-nascido e o feto falhou em produzir qualquer acontecimento ou estagio de desenvolvimento capaz de suportar o peso da responsabilidade de separar os que tem direito a vida dos que não tem, de uma forma que mostre claramente que, no estagio de desenvolvimento em que se realiza a maior parte dos abortos, os fetos estão nessa ultima categoria. (p.190).

Alguns argumentos liberais.

Alguns liberais não contestam a alegação dos conservadores de que o feto é um ser humano inocente, mas argumentam que, ainda assim, o aborto é licito. (p.191).

As conseqüências de leis restritivas

O primeiro argumento é o de que as leis que proíbem o aborto não impedem a sua pratica, mas meramente transformam-na em clandestina. Muitas vezes, as mulheres que desejam fazer um aborto estão desesperadas. Elas irão procurar aborteiros de fundo de quintal, ou recorrer a remédios populares. O aborto realizado por um médico qualificado é tão seguro quanto qualquer outra intervenção cirúrgica, mas as tentativas de realizar abortos com pessoas desqualificadas frequentemente resultam em serias complicações medicas e, as vezes, na morte. (p.191).

Esse argumento tem tido grande influencia em angariar o apoio para uma legislação mais liberal do aborto e foi aceito pela Real Comissão Canadense do Estatuto da Mulher, que assim concluiu: “Uma lei que tenha mais efeitos prejudiciais que efeitos benéficos não é boa...enquanto ela existir sob a forma presente, milhares de mulheres irão infrigi-la”. (p.191).

O principal aspecto a assinalar sobre esse argumento é que ele se opõe a leis que proíbem o aborto, e não a concepção de que o aborto é incorreto. Trata-se de uma importante distinção, amiúde negligenciada no debate sobre o aborto. O argumento presente ilustra bem a distinção, pois permite a uma mulher aceitá-lo coerentemente e advogar que a lei deveria autorizar o aborto mediante solicitação, ao mesmo tempo decidindo ela própria – caso estivesse grávida – ou aconselhando a outra grávida, que seria errado fazer um aborto. (p.191).

É um engano propor pressupor que as leis devam sempre impor a moral. Pode acontecer que, como alegado no caso do aborto, tentativas de impor a conduta certa levem a conseqüências que ninguém deseja, e a nenhuma redução da conduta incorreta; ou pode ser que, como proposto exista uma área da ética privada a qual as leis devem interferir. (p. 191/192).

Portanto, esse primeiro argumento sobre a lei do aborto, e não sobre a ética do aborto. Mesmo dentro destes limites, contudo, ele estará aberto á contestação, pois não consegue dar uma resposta á afirmação conservadora de que abortar é matar deliberadamente um ser humano inocente, e se inclui na mesma categoria ética que o assassinato. (p. 192).

Dado o juízo ético inicial contra o aborto, essa é uma reação perfeitamente ditada pela razão e, em conseqüência, o primeiro argumento não consegue contornar a questão ética. (p.192).

Não é alçada da lei?

O segundo argumento é novamente um argumento sobre as leis do aborto, e não sobre a ética do aborto. Ele lança mão da concepção de que, conforme exposto no relatório de uma comissão do governo britânico que investigou a legislação sobre a homossexualidade e prostituição: “Deve continuar a existir uma esfera privada da moralidade e da imoralidade que, em termos sucintos, não é a da alçada da lei.” (p.192).

Os que consideram o aborto um crime sem vitimas afirmam que, embora cada um esteja autorizado a adotar a sua própria concepção da moralidade do aborto e agir em consonância, nenhum setor da comunidade deveria tentar forçar outros a aderirem á sua visão especifica. Numa sociedade pluralista, deveríamos tolerar concepções morais divergentes, e deixar a critério da interessada a decisão de abortar. (p.193).

A polemica sobre o aborto é, em grande parte, uma disputa quanto à existência ou não de uma “vitima” do aborto. Os adversários do aborto sustentam que a vitima é o feto. Os que não se opõem ao aborto podem negar que se considere o feto uma vitima grave. Talvez afirmem, por exemplo, que não há como alguém ser uma vitima, a menos que sejam violados os seus interesses. (p.193).

Mas qualquer que seja o rumo da disputa, não podemos simplesmente ignora-la, apoiados no fato de que as pessoas não devem coagir outrem a seguir as concepções morais que elas mesmas adotam. (p.193).

Um argumento feminista.

O ultimo dos três argumentos que procuram justificar o aborto sem negar que o feto é um ser humano inocente é o de que, em relação ao que poderá suceder a seu próprio corpo, uma mulher tem direito a escolhas. Esse argumento ganhou projeção com a ascensão do movimento de libertação feminista e foi elaborado por filósofos americanos simpatizantes da causa feminista. (p. 194).

O paralelo com a gravidez, sobretudo a gravidez em conseqüência do estupro, deve ser inequívoco. Uma mulher que engravidou por ter sido estuprada encontra-se, por uma escolha que não foi a sua, ligada a um feto (...). (p. 195).

Se concordarmos com Thomson talvez possa ir alem dos casos de estupro devemos aceitar que, sejam quais forem as condições do feto, o aborto não é um erro – pelo menos, não numa gravidez em conseqüência de estupro. (p.195).

Se o argumento de Thomson era coerente no caso do seqüestro, é provável que também seja aqui, pois passar nove meses sustentando involuntariamente outra pessoa é um preço muito alto a se pagar pela ignorância ou pelo descuido. Desse modo, o argumento poderia transcender os casos de estupro e chegar ao numero muito maior, de mulheres que engravidam por ignorância, descuido ou falha de anticoncepcionais. (p.195).

Thomson não admite que, tudo considerado, sejamos forçados a adotar o melhor curso de ação, ou a fazer que traga as melhores conseqüências. Ela aceita, em vez disso, um sistema de direitos e obrigações que nos permite justificar nossas ações independentemente de suas conseqüências. (p.196).

Thomson alegou que o seu argumento justificava o aborto, mesmo com a admissão de que a vida do feto tem o mesmo peso que a vida de uma pessoa normal. O utilitarista estimaria errada a recusa em manter a vida de uma pessoa por nove meses, ainda que fosse a única maneira de mantê-la viva. Portanto, se atribuirmos a vida do feto o mesmo peso atribuída a vida de uma pessoa normal, o utilitarista julgaria errada a recusa a levar adiante a gravidez até o feto estar capacitado a sobreviver fora do útero. (p.196).

Os liberais não conseguiram estabelecer uma linha divisória moralmente significativa entre o recém nascido e o feto, e que seus argumentos – com a possível exceção do argumento de Thomson, se sua teoria dos direitos pode ser defendida – também não conseguem justificar o aborto de forma que não contestem a afirmação conservadora de que o feto é um ser humano inocente. (p.197).

O valor da vida fetal.

O argumento central contra o aborto, do qual partimos era: 1°) é errado matar um ser humano inocente; 2°) um feto humano é um ser humano inocente; 3°) é errado matar um feto humano. (p. 197).

A fragilidade da primeira premissa do argumento conservador é o fato de apoiar-se em nossa aceitação do estatuto especial da vida humana. (...). Se considerarmos “humano” equivalente a “pessoa”, então a segunda premissa do argumento, que afirma que o feto é um ser humano, é claramente falsa, pois alguém poderá argumentar, de forma plausível, que o feto seja racional ou autoconsciente. Se por outro lado, o significado de “humano” for apenas “membro da espécie Homo sapiens”, então a defesa conservadora da vida do feto se baseia numa característica desprovida de significação moral e, assim sendo, a primeira premissa é falsa. (p.197).

A crença de que a simples condição de membro de nossa espécie, a despeito de outras características, fará uma grande diferença para o erro de matar um ser, é um legado das doutrinas religiosas, fator que até mesmo os adversários do aborto hesitam em trazer á discussão. (p.198).

Agora podemos examinar o feto tal qual ele é – as características concretas que possui – e podemos avaliar sua vinda pela mesma escala que aplicamos as vidas de seres características semelhantes, que não pertencem á nossa espécie. (p.198).

Já que nenhum feto é uma pessoa, nenhum feto detém o mesmo direito á vida que uma pessoa. Uma questão que ainda nos falta examinar é o momento a partir do qual o feto torna-se capaz de sentir dor. (...). Quando o feto pode ser consciente, embora não autoconsciente, o aborto não deve ser tratado levianamente (se é que alguma mulher trata levianamente o aborto). Contudo os sérios interesses de uma mulher normalmente prevaleceriam sobre os interesses rudimentares até mesmo de um feto consciente. (p.198).

Nas ocasiões em que o equilíbrio de interesses conflitantes torne necessária a matança de uma criatura senciente, é importante que a morte ocorra do modo mais indolor possível. No caso de animais não-humanos, a importância da morte humanitária é amplamente aceita; e, por estranho que pareça no caso do aborto pouca atenção é prestada a esse detalhe. (...). Abortos tardios – que são aqueles nos quais o feto pode ter a capacidade de sofrer – são amiúde realizados por meio da injeção de solução salina na bolsa amniótica que circunda o feto. (p. 199).

Alegou-se que o efeito disso é provocar convulsões no feto, que morre num prazo de uma a três horas, e é expelido do útero. Se há motivos para supor que um método abortivo possa causar sofrimento ao feto, esse método deve ser evitado. (p.199).

O feto como vida potencial.

Uma provável objeção ao argumento apresentado na seção anterior era a de que ele só toma em consideração as características concretas do feto, deixando de lado suas características potenciais. (p.199).

Até aqui não abordei a questão do potencial do feto porque achei melhor concentrar-me na principal argumentação contra o aborto; sendo verdade que se pode montar um argumento diferente, baseado no potencial do feto. (p.199).

Podemos postulá-los nos seguintes termos: 1°) é errado matar um ser humano potencial; 2°) um feto humano é um ser humano especial; 3°) logo é errado matar um feto humano. (p.199).

A segunda premissa desse argumento é mais forte do que é a segunda premissa do argumento anterior. Embora seja problemático saber se o feto é realmente um ser humano – depende do que você dizer como o termo – não se pode negar que o feto seja um ser humano em potencial. (p.199).

Isso é verdade tanto quando por ser humano queremos dizer “membros da espécie Homo sapiens”, quando se iludimos a um ser racional e autoconsciente, ou seja, uma pessoa. (p. 199/200).

A forte segunda premissa do novo argumento, contudo, é obtida ao custo de uma primeira premissa mais fraca, pois o erro de matar um ser humano em potencial – até mesmo uma pessoa em potencial – está mais aberto à contestação do que o erro de matar um ser humano concreto. (p.200).

É bem verdade que a racionalidade e a autoconsciência potenciais do Homo sapiens fetal ultrapassam tais qualidades quando presentes numa vaca ou num porco; mas daí não segue que o feto tenha direito mais legitimo á vida. (p.200).

Na falta de qualquer inferência geral que leve de “A é um X potencial” a “A tem direitos de um X”, não devemos aceitar que uma pessoa potencial tenha os direitos de uma pessoa, a não ser que nos seja apresentada alguma razão especifica pela qual isso deveria aplicar-se ao caso em questão. (p.200).

Todas essas razões se baseiam na visão de que as pessoas tem de si mesmas como entidades distintas, dotadas de passado e futuro – desde a preocupação indireta do utilitarista clássico de não fomentar nos demais o medo de serem próximos exterminados, o peso dado pelo utilitarista preferencial aos desejos de uma pessoa, a ligação feita por Tooley entre o direito a vida e a capacidade de perceber-se como um sujeito mental continuado, e o principio do respeito pela autonomia. Elas não se aplicam aos que agora não são capazes, e nem nunca foram, de ver-se dessa maneira. Se tais são os motivos para não se matar pessoas, o mero potencial de tornar-se uma pessoa não conta como motivo contra o ato de tirar a vida. (p. 200).

Isto deixa clara a incompreensão da relevância do potencial do feto humano, e trata-se de um potencial importante, não porque crie no feto um direito ou uma reinvidicação á vida, mas porque quem matar um feto humano estará privando o mundo de um futuro ser racional e autoconsciente. Se seres racionais e autoconscientes são intrinsecamente valiosa e, desse modo, será um erro. (p.200/201).

O principal problema deste raciocínio, para ser um argumento contra o aborto – a parte a dificuldade de estabelecer que seres racionais e autoconscientes tem valor intrínseco – é ser insustentável como objeção a todos os abortos, ate mesmo os praticados simplesmente porque a época da gravidez foi mal escolhida. (p.201).

A afirmação de que seres racionais e autoconscientes são intrinsecamente valiosos não constitui uma razão para contestar os abortos, pois nem todo aborto priva o mundo de um ser racional e consciente de si mesmo. (...). Porem, se um aborto só é errado porque priva o mundo de uma futura pessoa, este aborto não é errado: ele apenas adiará a entrada de mais uma pessoa no mundo. (p.201).

Esse argumento contra o aborto leva-nos a condenar praticas que reduzem a futura população humana: a contra concepção, seja pelos meios “artificiais” seja pelos “naturais”, como a abstenção durante o período potencialmente fértil da mulher, e ainda o celibato. Esse argumento contem todas as dificuldades da forma “total” de utilitarismo e não fornecem nenhuma razão para se considerar o aborto pior do que qualquer outro meio de controle populacional. (p.201).

Aborto e infanticídio.

A força da posição conservadora reside na dificuldade encontrada pelos liberais em apontar uma linha divisória moralmente significativa entre um embrião e um recém-nascido. (p.202).

Um bebê de uma semana não é um ser racional e consciente de si, e há muitos animais cujas condições de racionalidade, autoconsciência, consciência, capacidade de sentir etc., superam as de um bebê de uma semana ou de um mês de idade. (p.202).

Se um feto não tem o mesmo direito a vida que a pessoa, é possível que o bebê recém nascido tem menos valor para ele do que têm as vidas de um porco, de um cão, ou de um chipanzé, para estes animais. (p.202).

Embora podendo ser aceitável para muitos minha posição quanto ao estatuto da vida fetal, as implicações dessa posição quanto ao estatuto da vida do recém nascido entram em conflito com o pressuposto virtualmente incontestado de que a vida de um bebê recém-nascido é tão sacrossanta quanto a de um adulto. (p.202).

Em geral, como os bebês são inofensivos e moralmente incapazes de cometer um crime, os que os matam não podem lançar mão das desculpas geralmente oferecidas para a matança de adultos. Nada disso mostra, porem, que matar um bebê seja algo tão grave quanto matar um adulto (inocente). (p.202).

Achar que a vida dos bebês tem um valor especial porque eles são pequenos e bonitinhos é comparável a achar que um filhote de foca, com seu macio pelo branquinho e imensos olhos redondos, merece mais proteção que um gorila, a quem faltam estes atributos. (p.204).

A clássica razão utilitarista indireta não se aplica, pois ninguém capaz de compreender o que esta acontecendo quando um recém nascido é morto poderia sentir-se ameaçado por uma política que desse menos proteção aos recém nascidos que aos adultos. (p.204).

Nesse aspecto Bentham estava certo ao descrever o infanticídio como algo “de uma natureza que não traz a menor inquietação á mais tímida imaginação”. Quando atingimos a idade necessária para compreender essa política estamos velhos demais para sermos ameaçados por ela. (p.204).

Do mesmo modo, a razão utilitarista preferencial para se respeitar a vida de uma pessoa não pode ser aplicada ao recém nascido. Os recém-nascidos não podem ver a si mesmos como seres potencialmente dotados, ou não, de um futuro; e assim, não podem ter um desejo de continuar vivendo. Pela mesma razão, se o direito a vida deve basear-se na capacidade de querer continuar vivo, ou na capacidade de perceber-se como um sujeito mental continuo, um recém-nascido não pode ter direito a vida. (p.204).

Por fim, um recém nascido não é um ser autônomo, capaz de fazer escolhas, e, portanto, o ato de matar um recém-nascido não pode violar o principio do respeito pela autonomia. Em todos estes aspectos, o recém-nascido esta em pé de igualdade com o feto, daí existirem menos razões contra matar bebês e fetos do que contra matar os que são capazes de perceberem-se como entidades distintas, que existem no tempo. (p. 204/205).

Se essas conclusões parecem chocantes demais para que as levemos a sério, talvez valha a pena lembrar que a proteção absoluta sob a qual se encontra atualmente a vida de um bebê é uma atitude distintamente cristã, e não um valor ético universal. (p.206).

O infanticídio tem sido praticado em sociedades que variam, do ponto de vista geográfico, desde o Taiti até a Groenlândia, e em culturas que vão dos aborígines nômades da Austrália ás sofisticadas comunidades urbanas da Grécia antiga ou da China dos mandarins. (p.206).

Talvez pareça que somos mais “civilizados” do que esses povos “primitivos”. Mas não há como ter uma firme certeza de que somos mais civilizados do que os melhores moralistas gregos e romanos. Não só os espartanos abandonavam os filhos nas encostas das montanhas: tanto Platão quanto Aristóteles recomendavam que fossem mortos os bebês deformados. (p.206).

Romanos como Sêneca, cujo senso moral compassivo surpreende o leitor moderno (ou a mim, pelo menos) pela qualidade superior à dos escritores do cristianismo primitivo e medieval, também consideram o infanticídio a solução natural e humana para o problema representados pelos bebês doentes e deformados. (p. 206).

A mudança registrada, desde a época dos romanos, nas atitudes ocidentais diante do infanticídio é um produto do cristianismo, como a doutrina do teor sagrado da vida humana, da qual faz parte. Talvez seja possível, refletir sobre essas questões sem adotar o quadro de referencia da moral cristã, que vem a muito impedindo qualquer reavaliação fundamental. (p.206).

Nada disso tem por objetivo sugerir que alguém que ande por ai matando bebês ao acaso esteja moralmente em pé de igualdade com uma mulher que faz o aborto. Decididamente devemos impor condições muito rigorosas ao infanticídio permissível; contudo, essas restrições talvez se devessem mais aos efeitos do infanticídio sobre os outros do que ao erro intrínseco de matar um bebê. (p.207).

Nos casos de aborto, entretanto, supõe-se que as pessoas mais atingidas – os futuros pais, ou, pelo menos, a futura mãe – querem fazer o aborto. Pór conseguinte, o infanticídio só pode ser equiparado ao aborto quanto as pessoas mais próximas da criança não querem que ela viva, o que constitui um caso raro, já que um bebê pode ser adotado por terceiros, o que não ocorre com um feto pré-viável. Matar um bebê cujos pais não querem que morra é, decerto, uma questão totalmente distinta. (p.207).

ESTARÁ DOENTE TERMINAL A ÉTICA

DO CARÁTER SAGRADO DA VIDA?

A revolução furtiva: a redefinição do conceito de morte.

A aceitação da morte cerebral – isto é a perda, em c caráter permanente, de todas as funções cerebrais – é um critério de morte que tem sido geralmente visto como uma das grandes conquistas da bioética. É das poucas questões em relação as quais tem havido um virtual consenso, questão que tem feito uma grande diferença na maneira como tratamos as pessoas cujos cérebros pararam de funcionar. (p.214).

A mudança operada em nossa concepção de morte, capaz de excluir da comunidade moral esses seres humanos, esteve entre as primeiras de uma série de mudanças drásticas em nossa visão de vida ou morte. (p.214).

Sabemos que a historia de nossa moderna definição de morte começa com o “The Ad Hoc Committe of the Harvard Medical School to Examine the Definition of Brain Death” (Comitê Especial da Escola de Medicina de Harvard para Exame da Definição de Morte Cerebral). (p.214/215).

O comitê, formado principalmente por membros da área médica – dez profissionais do setor, acrescido de um advogado, um historiador e um teólogo – fez diligentemente o seu trabalho e publicou o relatório no Journal of the American Medica Association, em agosto de 1968. O relatório foi em breve reconhecido como um documento autorizado, e seus critérios para a determinação da morte foram adotados rápida e amplamente, não só nos Estados Unidos, porem, com algumas modificações dos detalhes técnicos, na maioria dos paises do mundo. (p.215).

De fato, por mais franca que pareça a declaração em sua manifesta preocupação com essa polemica, a comissão ainda não estava sendo inteiramente honesta. Uma redação anterior tinha sido mais explicita ao afirmar que uma razão para mudar-se a definição de morte era a “grande necessidade de tecidos e órgãos do paciente, entre outros, cujo cérebro foi irremediavelmente destruído, para restaurar aqueles que são passiveis de recuperação”. (p.216).

Quando esse rascunho foi enviado a Ebert, ele aconselhou Brecher a baixar o tom da declaração, em virtude de sua “infeliz” conotação “de que você deseja redefinir o conceito de morte no intuito de tornar órgãos viáveis mais prontamente disponíveis para indivíduos necessitados de transplante”. (p.216).

O segundo aspecto surpreendente no relatório do comitê de Harvard é a insistência em referir-se ao “como irreversível” como a condição desejada pelo comitê para definir como morte. O comitê também menciona a “perda”, em “caráter permanente, da capacidade intelectual” e chega até a dizer, “sugerimos que a opinião médica responsável esteja pronta a adotar os novos critérios para se declarar a ocorrência da morte num individuo que sofra de como irreversível em conseqüência de lesão cerebral permanente”. (p.217).

Ora, “coma irreversível em conseqüência de lesão cerebral permanente”, não é, de forma alguma, idêntico a morte do cérebro inteiro. (p. 217).

A lesão permanente das partes do cérebro responsáveis pela consciência também podem significar que um paciente está num “estado vegetativo persistente”, em condição na qual o tronco cerebral e o sistema nervoso central continuam a funcionar, mas a consciência foi irreversivelmente perdida. Ainda hoje, nenhum sistema legal considera mortos os que estão em estado vegetativo persistente. (p.217).

Reconhecidamente, o relatório do comitê de Harvard prossegue nesse diapasão para dizer, imediatamente depois do parágrafo citado anteriormente: “Aqui nós estamos ocupando tão – somente daqueles indivíduos em estado de coma que não apresentam atividade discernível do sistema nervoso central”. (p.217).

No entanto as razões alegadas pelo comitê para redefinir o conceito de morte – o grande peso sobre os pacientes, suas famílias, os hospitais e a comunidade, alem da perda de órgãos necessários para transplante – aplicam-se, em todos os seus aspectos, a todos os indivíduos que estão em como irreversível, e não somente aqueles cujo cérebro inteiro esta morto. (p.217).

Os indivíduos no estado vegetativo persistente podem continuar a respirar sem qualquer assistência mecânica. Chamar o agente funerário para enterrar um paciente “morto” que ainda respira seria, para qualquer pessoa, difícil demais de engolir. (p.218).

Todos sabemos que triunfou a redefinição de morte proposta pelo Harvard Brain Death Committee. Quando, na altura de 1981, a Comissão Presidencial dos Estados Unidos para o Estudo de Problemas Éticos na Medicina examinou a questão, pode escrever a respeito da “emergência de um consenso médico” em relação a critérios muito semelhantes aos propostos pelo Comitê de Harvard. (p.218).

Pessoas cujo o cérebro havia deixado irreversivelmente de funcionar eram consideradas legalmente mortas, em pelo menos quinze países, e também em mais da metade dos estados do território americano. Em alguns países, inclusive a Inglaterra, o parlamento não tinha sequer sido envolvido na mudança: a medicina havia simplesmente adotado um conjunto de critérios, com base nos quais os médicos, atestavam a morte de um paciente. (p.218).

A redefinição do conceito de morte em termos de morte cerebral foi aceita tão tranquilamente porque não prejudicava os pacientes de morte cerebral e beneficiava todos os demais envolvidos: as famílias dos pacientes, os hospitais, os cirurgiões de transplantes, as pessoas necessitadas de transplantes, as pessoas que temiam a possibilidade de serem mantidas algum dia num respirador após seu cérebro ter morrido, os contribuintes e o governo. (p.218).

Definir estas pessoas como estando mortas e, por assim, não há sentido em se manter ao corpo contornar os problemas de tornar acessíveis para transplantes os seus órgãos e de desativar-lhes o tratamento médico. (p.218).

O próprio comitê não conseguia engolir muito bem as implicações daquilo que ele estava recomendando. Ele descreveu os pacientes cujo cérebro havia cessado de funcionar como indivíduos em estado de “como irreversível” e afirmava que serem mantidos no respirador constituía para eles um peso. Os mortos, porem, não estão em coma: estão mortos, e para eles nada mais pode constituir um peso. (p.219).

Tampouco podemos culpar de todo pelo deslize a lamentável ignorância da imprensa popular. Um estudo realizado com médicos e enfermeiros que cuidam de pacientes com mortes cerebral em hospitais de Cleveland, no Ohio, mostrou que, de cada três desses profissionais, um é de opinião que as pessoas cujo cérebro tinha morrido podiam ser classificadas, como mortas, por estarem “morrendo irreversivelmente” ou por terem uma “qualidade de vida inaceitável”. (p.219).

Por que motivo os jornalistas, e também os membros de profissões da área de saúde, falam de um modo que nega o fato de a morte cerebral ser realmente morte? Uma possível explicação é que, mesmo sabendo que os paciente de morte cerebral estão mortos, as pessoas simplesmente acham complicado demais abandonar modos obsoletos de pensar sobre a morte. Outra explicação possível é a de que as pessoas possuem suficiente senso comum para verem que o paciente de morte cerebral não está realmente morto. (p.219/220).

O critério de morte cerebral para a definição da morte não passa de ficção conveniente. Foi proposto e foi aceito porque nos possibilita a recuperação de órgãos que, de outra forma, seriam desperdiçados, e também possibilita a interrupção de tratamento médico, quando este não esta trazendo nenhum benefício. (p.220).

Mas nossa compreensão atual da morte cerebral não é estável, e o fator a desestabilizá-lá é o progresso realizado na ciência e na tecnologia médicas. (p.220).

A morte cerebral é geralmente definida como a cessação irreversível de todas as funções do cérebro. De acordo com essa definição, um conjunto padronizado de testes é usado pelos médicos para saber se todas as funções cerebrais cessaram irreversivelmente. (p.220).

Nos últimos dez anos, entretanto, os médicos procuraram formas de administrar os pacientes de morte cerebral de modo a que seus órgãos (ou em alguns casos, sua gravidez) pudessem ser sustentados por um tempo maior; tornou-se evidente que, mesmo quando os teses usuais mostram a ocorrência de morte cerebral, algumas funções cerebrais persistem. (p.220).

Ademais, quando os pacientes de morte cerebral são abertos na cirurgia para a remoção dos órgãos, sua pressão arterial pode subir e os batimentos cardíacos podem acelerar-se. Essas reações significam que o cérebro ainda esta cumprindo algumas de suas funções, e regulando as reações do corpo de varias formas. Em conseqüência disso, caem por terra a definição legal de morte cerebral e a pratica médica atual de certificar como mortos os pacientes de morte cerebral. (p.221).

Seria possível harmonizar a pratica médica com a definição atual de morte em termos de cessação irreversível de todas as funções cerebrais. Os médicos teriam então que testar todas as funções cerebrais, inclusive s funções hormonais, antes de declarar morto um individuo. Isso iria significar que algumas pessoas agora declaradas em morte cerebral seriam consideradas vivas e, por conseguinte, teriam de continuar a serem mantidas num aparelho respiratório, a um custo significativo, seja em termos financeiros, seja em prolongamentos da aflição dos familiares. (p.221).

Alem disso, durante esse período, os órgãos da pessoa poderiam deteriorar-se tornando-se assim inutilizáveis para o transplante. Que vantagem haveria para contrabalançar tão sérias desvantagens? Pela perspectiva dos adeptos da ética do caráter sagrado da vida, a vantagem é, naturalmente, que já não estaríamos mais matando pessoas ao remover-lhes cirurgicamente o coração enquanto elas ainda estão vivas. (p. 221).

E se alguém realmente acredita que a qualidade da vida humana não faz diferença para o erro de se dar fim a essa vida, isso encerraria a discussão. Não haveria qualquer alternativa ética. (p.221).

Portanto, se o que valorizamos é a vida com consciência, e não a vida em si mesma, então não parece muito boa a idéia a tentativa de harmonizar a prática médica com a definição de morte. Melhor seria fazer a definição de morte cerebral entrar em concordância com a atual prática médica. (p.222).

Quais funções cerebrais adotaremos como marcadores de diferença entre a vida e a morte, e por quê? (p.222).

A resposta mais plausível é que as funções cerebrais realmente importantes são relacionadas á consciência. Segundo esse ponto de vista, aquilo com que realmente nos importamos – e com que devemos nos importar – é a pessoa, e não o corpo dela. (p.222).

Diversas razões podem ser oferecidas para justificar esse passo. Primeira: embora o comitê especificasse que suas recomendações fossem aplicadas somente aqueles que não manifestassem “nenhuma atividade discernível do sistema nervoso central”, os argumentos por ele apresentados para a definição de morte aplicavam-se, em todos os aspectos, aos pacientes que estavam permanentemente privados de qualquer consciência, tivessem ou não alguma função no tronco cerebral. (p.222).

Desde então, contudo, a tecnologia para obtenção de imagens de tecidos moles dentro do corpo realizou um enorme progresso. Daí que um importante obstáculo à aceitação de uma definição da morte a partir do córtex cerebral já foi fortemente reduzido em seu escopo, e em breve terá desaparecido de vez. (p.223).

Agora que a certeza clinica da irreversibilidade da perda das funções do córtex cerebral pode ser estabelecida, pelo menos em alguns casos, a lógica inerente á iniciativa de fazer avançar mais um passo a definição de morte teve por conseqüência nos Estados Unidos, a sugestão de um juiz da Suprema Corte de que a lei poderia considerar que não esta viva uma pessoa cuja consciência tenha sido perdida irreversivelmente. (p.223).

A medida que a opinião médica vai aceitando cada vez mais o fato de ser possível estabelecer com segurança o momento em que a consciência foi irreversivelmente perdida, tornar-se-á mais intensa a pressão sobre a classe médica no sentido de adotar-se uma definição de morte fundamentada na morte do córtex cerebral. (p.223).

Se conforme vimos, as pessoas já encontram dificuldade em aceitar que esteja realmente morto um corpo quente, de coração pulsante, num respirador artificial, não será ainda mais difícil enterrar um “cadáver” que ainda esta respirando no momento em que for enterrado? (p.224).

Em minha opinião, o problema começou com a mudança para a morte cerebral. O Comitê de Harvard defrontou-se com dois sérios problemas. Pacientes em condições extremamente desesperadas estavam presos a respiradores artificiais, que ninguém se atrevia a desligar; e órgãos que poderiam ser usados para salvar vidas eram postos s perder por causa da prolongada espera pelo momento da parada circulatória do doador potencial. (p.224).

O Comitê tentou resolver ambos os problemas lançando mão do ousado expediente de classificar como morto todo aquele cujo cérebro tivesse cessado de apresentar qualquer atividade discernível. A redefinição de morte, por ter conseqüências tão evidentemente desejáveis, foi recebida praticamente sem nenhuma oposição, e aceita quase universalmente. Apesar disso, desde o começo faltou-lhe solidez. Resolver problemas por meio de sua redefinição é algo que dificilmente funciona, e este caso não foi exceção. (p.224).

Até 1993, parecia difícil imaginar de que modo uma abordagem diferente poderia ser aceita algum dia. Mas naquele ano a mais alta corte britânica deu um imenso passo adiante, a caminho dessa nova abordagem. (p.224).

JUSTIFICANDO O INFANTICÍDIO.

Se fossemos examinar a questão de vida ou morte em relação a um bebê com graves deficiências sem antes discutirmos a ética do ato de matar, em geral talvez não conseguíssemos resolver o conflito entre a obrigação, amplamente aceita, de se proteger o caráter sagrado da vida humana e o objetivo de diminuir o sofrimento. (p.233).

O fato de um indivíduo ser um ser humano, no sentido de pertencer a espécie Homo sapiens, não é relevante para o erro de matá-lo; as características que realmente fazem uma diferença são a racionalidade, a autonomia e a consciência de si. Os bebês não apresentam essas características: mata-los, portanto não pode equiparar-se a matar seres humanos normais, ou quaisquer outros seres dotados de autoconsciência. (p.233).

Nenhum bebê – deficiente ou não – tem um direito à vida tão legitímo quanto o dos seres capazes de verem a si mesmos como entidades distintas que existem no tempo. (p.234).

A diferença entre privar a vida de bebês deficientes e dos bebes normais não esta em nenhum suposto direito a vida garantido aos normais, porem não aos deficientes; esta em outras considerações sobre o ato de matar. (p.234).

O nascimento de um filho ou uma filha é, normalmente, um acontecimento que traz felicidade aos pais. Nos dias atuais, os pais terão feito planos para a criança. A mãe terá passado nove meses na gestação do bebê. Nascido o filho, uma afeição natural começa a ligar os pais a ele. Portanto, uma importante razão pela qual é geralmente terrível o ato de matar um bebê é o efeito causado aos pais por essa morte. (p.234).

É diversa a questão quando o bebê nasce com um grave deficiência. As anomalias congênitas variam, evidentemente. Algumas são triviais, e pouco afetam a crianças ou seus pais, mas outras convertem numa ameaça à felicidade do casal, e dos outros filhos que possam ter, a ocasião do nascimento, normalmente auspiciosa. (p.234).

Os pais poderão lamentar que a criança deficiente tenha nascido. Nessa circunstância, o efeito que a morte da criança causa aos pais pode ser um motivo a favor da morte dela, e não do contrario. Alguns pais querem que o filho viva o máximo possível, até mesmo o filho mais seriamente deficiente, e esse desejo seria, no caso, um motivo contra a morte do bebê. (p.234).

É verdade que, de vez em quando, casos de bebês com graves deficiências e cuja morte é permitida chegam ao tribunal com muito estardalhaço dos meios de comunicação, o que leva alguns casais a se oferecerem para adotar a criança. (p.234).

Os bebes são seres senciente que não são nem racionais, nem autoconscientes. Portanto, se nos dedicarmos a examinar os bebês, em si mesmos, independentemente das atitudes de seus pais, veremos que, como a espécie das crianças não é relevante para o estatuto moral, os princípios que regem o erro de matar animais sencientes, mas que não são racionais ou conscientes de si, também deve aplicar ao caso. (p.235).

Os argumentos mais plausíveis para atribuir-se a um ser o direito a vida só se aplicam se houver alguma consciência de si como entidade existente no tempo, ou como um eu mental continuo. (p.235).

Quando a vida de um bebe vai ser tão infeliz que não valha a pena viver, da perspectiva interna de quem vai viver essa vida, ambas as versões do utilitarismo, quer a da “existência prévia”, que a versão “total”, acarretam que, se não houver razões “extrínsecas” para se manter vivo o bebê – como os sentimentos dos pais - , é melhor que se ajude a criança a morrer sem mais sofrimento. (p.236).

Não consigo ver de que modo é possível defender a opinião de que os fetos podem ser “substituídos” antes de nascer, mas os recém – nascidos não podem ser substituídos. Tampouco haverá qualquer outro aspecto, como a viabilidade, que consiga operar mais perfeitamente a separação entre o feto e o bebe. (p.239).

A autoconsciência, fator que poderia constituir um motivo para afirmação de que é errado matar um ser e substituí-lo por outro não é encontrada nem no feto, nem no bebe recém nascido. Nem o feto nem o recém nascido são indivíduos capazes de cogitar de si mesmo como uma identidade distinta, com sua própria vida para viver, e é só para o recém nascido, ou para o individuo em estágios ainda mais anteriores da vida humana, que se deve considerar a substituição como uma opção eticamente aceitável. (p.239).

Pode-se ainda objetar que constitui um erro substituir um feto ou um recém-nascido, pois o ato sugere a todos os deficientes vivos que suas vidas valem menos a pena ser vividas do que a vida de quem não é deficiente. No entanto, é um desafio á realidade negar que, em geral, seja assim. Essa é a única mentira de dar sentido a ações que todos aceitamos como ponto pacífico. (p.239).

Considerar substituível o bebê recém nascido, como hoje consideramos os fetos, teria vantagem consideráveis na comparação com o diagnóstico pré-natal seguido de aborto. O diagnóstico pré-natal ainda não é capaz de detectar todas as principais deficiências. Algumas de fato, nem estão presentes antes do nascimento; podem ser o resultado de parto extremamente prematuro, ou de algum problema registrado no decorrer do próprio processo de parto. (p.240).

Se os recém nascido deficientes não fossem considerados como detentores de um direito a vida até, digamos, uma semana ou um mês depois do nascimento, esse recurso permitiria que os pais, em comum acordo com seus médicos, fizessem sua opção com base num conhecimento muito mais aprofundado da situação do bebê do que lhes seria possível fazer antes do nascimento. (p.240/241)

Todas essas observações tiveram por referência o fato, em si mesmo, do erro de se acabar com a vida do bebê, e não tal fato considerado por seus efeitos sobre os outros. Quando levamos em conta os efeitos exercidos sobre os outros o quadro pode alterar-se. Passar pela experiência completa da gestação e do trabalho de parto só para dar a luz uma criança que depois decidiremos que não deverá viver seria uma experiência difícil e talvez, angustiante. (p.241).

Por este motivo muitas mulheres iriam preferir o diagnostico pré-natal seguido de aborto, em lugar de ter um filho que nasce vivo, mas com a possibilidade de ser objeto de infanticídio; entretanto, se o infanticídio não for moralmente pior do que o aborto, essa seria, aparentemente, uma escolha que a própria mulher deveria ser autorizada a fazer. (p.241).

A questão de por fim a vida de recém-nascidos deficientes não esta livre de complicações, (...). Não obstante, a questão principal esta clara: o ato de matar um bebê deficiente não equivale, moralmente, ao ato de matar uma pessoa. (p.241).

JUSTIFICANDO A

EUTANÁSIA VOLUNTÁRIA

Segundo as leis vigentes em muitos paises, as pessoas submetidas a dores ou sofrimentos irreversíveis em conseqüência de alguma doença incurável, e que pedem a seus médicos que lhes ponham um fim a vida, expõe os médicos ao risco de serem acusados do crime de homicídio. (p.242).

Ainda que os jurados, em casos desse teor, sejam extremamente relutantes em condenar, a lei é muito explicita em que nem o pedido, nem o grau de sofrimento, nem a condição incurável da pessoa que foi morta constituem uma defesa perante a acusação de assassinato. (p.242).

Os defensores da eutanásia voluntária propõem que haja uma mudança nessa lei, de modo a permitir ao médico, legalmente, a agir de acordo com o desejo do paciente de morrer sem maiores sofrimentos. Os médicos desde que acatem certas condições, tem podido fazer isso abertamente na Holanda, como resultado de uma serie de decisões judiciais tomadas no decorrer da década de 1980. (p.242).

A defesa da eutanásia voluntária tem um terreno comum com a da eutanásia não-voluntária, no aspecto de que a morte é um beneficio para a pessoa a quem ela é dada. (p.242).

Os dois tipos de eutanásia diferem, porem, já que a eutanásia voluntária consiste na eliminação de uma pessoa, de um ser racional e autoconsciente, e não, simplesmente, de um ser consciente. (p.242).

Vimos que é possível justificar o ato de dar fim a vida de um ser humano que não tem condições de consentir. Agora, cumpre perguntar de que modo as questões éticas diferem quando o individuo é capaz de consentir e, de fato, consente. (p.243).

O respeito pelas decisões autônomas de agentes racionais.

Agora imagine que estamos diante de uma situação na qual uma pessoa acometida de uma doença dolorosa e incurável deseje morrer. Se o individuo não fosse uma pessoa – não fosse racional, nem autoconsciente -, a eutanásia teria sido justificável. (p.243).

A objeção do utilitarismo clássico não se aplica ao extermínio que tem lugar somente com o consentimento genuíno da pessoa exterminada. O fato de pessoas serem mortas nessas condições não iria difundir o medo ou a insegurança, já que a possibilidade de sermos mortos com nosso genuíno consentimento não é motivo para medo: se não quisermos ser mortos simplesmente não daremos nosso consentimento. (p.244).

O argumento do medo depõe a favor da eutanásia voluntária, pois se ela não é permitida poderemos, com justa razão, temer que as nossas mortes venham a ser desnecessariamente lentas e aflitivas. (p.244).

Na Holanda um estudo d abrangência nacional, comissionado pelo governo, apurou que “muitos pacientes querem uma garantia de que seu médico vai ajuda -los a morrer, caso o sofrimento se torne intolerável”. (p.244).

O utilitarismo preferencial também depõe a favor, e não contra, da eutanásia voluntária. Assim como o utilitarismo preferencial deve aceitar, como uma das razões contra o tirar a vida, o desejo de continuar vivendo, ele precisa aceitar o desejo de morrer como uma razão a favor de tirar a vida. (p.244).

Dizer que tenho o direito a vida não é o mesmo que dizer que a minha médica estaria errada se acabasse com a minha vida, se fosse para atender a minha solicitação nesse sentido. Mediante tal pedido, renuncio o meu direito a vida. (p.244).

O principio do respeito pela autonomia nos diz que deixemos os agentes racionais viverem suas vidas de acordo com suas próprias decisões autônomas, livres de coerção ou interferência; mas, se os agentes racionais fizerem de forma autônoma uma opção pela morte, o respeito pela autonomia nos levará a ajuda-los a fazer aquilo que acolheram. (p.245).

Assim, embora existam razões para se pensar que matar um ser autoconsciente é normalmente pior do que matar qualquer outro tipo de ser, no caso especial da eutanásia voluntária, a maioria dessas razões pesa a favor e não contra sua prática. (p.245).

Nos seres autoconscientes, o que há de especial é o fato de serem capazes de saber que existem no tempo e que, a não ser que morram, continuarão a existir. Normalmente, essa existência continuada é ardentemente desejada; mas quando a existência continuada passível de previsão torna-se aterrorizante, em vez de desejada, a vontade de morrer pode tomar o lugar da vontade normal de viver, invertendo as razões contrarias ao ato de matar, fundamentadas no desejo de viver. (p.245).

Alguns opositores da legalização da eutanásia voluntária poderiam admitir que tudo isso vem como conseqüência, no caso de estarmos lidando com uma decisão realmente livre e racional de morrer; contudo, acrescentam, nunca podemos ter certeza de que um pedido para ser morto é o resultado de uma decisão livre e racional. (p.245).

Ou mesmo que não haja pressão ou simulação, será que uma pessoa doente e assoberbada pelas dores e, muito provavelmente, presa a um quadro de confusão mental causada pelo uso de medicamentos, conseguirá tomar uma decisão racional na escolha entre viver ou morrer? (p.245).

Essas questões suscitam dificuldades técnicas para a legalização da eutanásia voluntária, e não objeções aos princípios éticos subjacentes; não obstante, elas constituem serias dificuldades. As diretrizes traçadas pelos tribunais holandeses procuraram resolvê-las mediante a proposta de que a eutanásia só é aceitável se: (p.246).

  • For levada a efeito pelos médicos;
  • O paciente tiver solicitado explicitamente a eutanásia, de modo que não deixe nenhuma duvida em relação a sua vontade de morrer;
  • A decisão do paciente for bem informada, livre e duradoura;
  • O paciente tiver um problema irreversível que cause prolongado sofrimento físico ou mental e que pareça a ele mesmo insuportável;
  • Não houver uma alternativa razoável capaz de aliviar o sofrimento do paciente.
  • O medico tiver consultado outro profissional independente que concorde com o parecer emitido por ele. (p.246).

A eutanásia é firmemente apoiada, em tais circunstancias, pela Real Associação Médica Holandesa e pelo povo holandês em geral. As diretrizes tornam muito improvável o assassinato disfarçado de eutanásia, e não há indicações de um aumento nos índices de homicídios na Holanda. (p.246).

Provavelmente a legalização da eutanásia voluntária iria significar, no decorrer do tempo, a morte de algumas pessoas que, de outra forma, teriam se recuperado de suas doenças imediatas e ainda vivido mais alguns anos. Este não é, porem o argumento definitivo contra a eutanásia que muitos imaginam que seriam. (p.246).

A possibilidade de que dois médicos possam equivocar-se significa que a pessoa que opta pela eutanásia esta tomando uma decisão apoiando-se num exame ponderado de probabilidades e renunciando a uma possibilidade muito remota de sobrevivência para evitar um sofrimento que, com certeza quase absoluta, terminara em morte. (p.246/247).

Alguns responderão que o progresso realizado nos tratamentos de doentes terminais eliminou o sofrimento e tornou desnecessária a eutanásia voluntária. (p.247).

Elizabeth Kübler Ross, cujo livro On Death and Dying (na morte e morrendo) é talvez a obra mais difundida sobre a prestação de cuidados aos moribundos, alegou que nenhum dos seus pacientes pede a eutanásia. Quando recebem atenção personalizada e medicação adequada, os pacientes, em sua opinião, acabam por aceitar a morte, e morrem pacificamente sem sentir dor. (p.247).

Quem sabe algum dia será possível tratar todos os pacientes terminais e incuráveis de um modo que nenhum peça eutanásia e que a questão venha a perder toda e qualquer relevância; mas, no momento, isso é apenas um ideal utópico e absolutamente não configura um motivo para recusar a eutanásia aos que devem viver e morrer em condições muito menos confortáveis. (p.249).

Seria mais coerente com respeito pela liberdade individual e pela autonomia a legalização da eutanásia, de modo a permitir que o paciente decida se a sua situação é suportável ou não. (p.249).

Embora constitua uma restrição á liberdade, na opinião de muitos será uma restrição passível de ser justificada em bases paternalistas. (p.249).

A questão procede, uma vez que pode ser levado longe demais o respeito a liberdade individual. John Stuart Mill opinava que o Estado não deveria interferir jamais nos assuntos do individuo, a não ser para impedir danos aos demais. O bem do próprio individuo, pensava Mill, não é uma razão adequada para a intervenção do Estado. (..), Mill talvez superestimasse a racionalidade do ser humano. Pode ser correto, às vezes, impedir que as pessoas façam escolhas que não estão obvia e racionalmente fundamentadas, e das quais mais adiante, podemos ter certeza, irão se arrepender. (p.249).

A eutanásia voluntaria, para cuja pratica existem boas razões, não podem, contudo, ter justificada sua proibição por motivos paternalistas. Ela só ocorre quando, até onde a medicina pode diagnosticar alguém está acometido de uma doença incurável e dolorosa, ou extremamente desesperadora. Nessas circunstâncias, não se pode considerar obviamente irracional a opção por uma morte rápida. (p.249).

A força do argumento a favor da eutanásia voluntaria reside em combinar o respeito pelas preferências, ou pela autonomia, de quem opta por ela e a base nitidamente racional da decisão em si. (p.249).

Itajaí 24 de abril de 2008